A revolta por aquele que mais importa

Getúlio Bernardo Morato Filho

A medicina sempre será sobre o paciente. Por mais que a sociedade tenha a tendência de inverter os valores, esta é uma premissa fundamental da arte médica

O meu texto faz reflexão a partir de postagem em canais médicos de artigo intitulado “a revolta sobre aquilo que pouco importa”, repercutindo episódio da foto de jovens acadêmicos do Espírito Santo e que se identifica com outro em Santa Catarina. Evitando refutar ou concordar com alguns trechos do que foi escrito, foco no título por oferecer uma premissa errada, que entendo comprometer todo o seu conteúdo. O que é básico na medicina é que ela não é sobre o médico, mas sobre o paciente. E, partindo disso, a revolta vem sobre aquele que a medicina deveria mais se importar: o paciente.

Quando você, no momento mais solene de sua formação, que é a formatura, em que você agradece seus pacientes, seus amigos, seus parentes, o cadáver desconhecido, não acredita que usar sua vestimenta de trabalho, com as calças no chão, e ainda fazendo um gesto fazendo referência à genitália feminina, você estabeleceu que o que menos importa são os valores da sociedade, ou seja, do seu paciente. “Se elas acharam a foto ruim, que se danem mulheres que se sentiram ofendidas, possíveis pacientes, colegas médicos... Quem está virando médico sou eu e isso é o mais importante de tudo”. Não, caro colega. Você é uma migalha. A medicina nunca foi sobre você. Mas você pode ser uma excelente ferramenta de cura quando a sociedade acredita na seriedade do seu trabalho, da forma que você atua com seus pacientes, na forma que você leva a sua vida. É um caminho que você escolheu, com todos os ônus e bônus dessa profissão.

Infelizmente, durante toda a formação médica, perdeu-se o foco do que é mais importante. E isso não quer dizer que o estudante de medicina ou o médico não devem ter seus valores respeitados. Mas, repito, a medicina não é sobre você. Quando alunos são orientados a se postar de forma adequada, não brincar ao lado do leito, vestir-se de forma adequada, onde o foco da consulta não seja seu corpo ou suas vestimentas, mas o paciente, isso é parte da formação. Quando alunos são cobrados a chegar no horário, é porque o horário do paciente é mais importante que o seu. Ah, mas o meu docente chega atrasado. Então use essa lição para, neste aspecto, não ser como ele ou superá-lo. Se você não consegue entender isso, vou repetir mais uma vez: a medicina nunca será sobre você.

Não somos imunes a falhas, atrasos, erros em vestimenta, mas uma outra regra a ser respeitada na medicina é o bom senso. E até nisso os estudantes e futuros médicos falharam. Entendemos que muitas pessoas fazem besteiras, comentários e gestos inapropriados entre amigos, mas faltou o bom senso de entender que não era apenas uma brincadeira de mau gosto, mas algo que afetaria não apenas como a sociedade os enxerga, mas como a sociedade enxerga toda a medicina. Em tempos de notícias virais, esses estudantes ofereceram um prato cheio (e exponencial) para uma já tão criticada medicina de formiga, em que centenas de milhares de médicos se sacrificam diariamente em favor do paciente, enfrentando todas as dificuldades estruturais possíveis, pra quem uma notícia ruim destrua todo um bom trabalho coletivo.

Apesar de vocês, futuros colegas, a medicina brasileira ainda sobrevive diante de tantas notícias ruins. Lutamos contra políticas públicas eleitoreiras, lutamos contra uma estrutura que aniquila a prática de uma boa medicina, com aberturas de faculdades de medicina de fundo de quintal, que são abertas em troca de favores políticos, enquanto instituições de qualidade se matam para obter recursos. Lutamos contra baixas remunerações, calotes de prefeituras, falta de condições de trabalho. Lutamos contra tanta coisa errada que nos empurram goela abaixo porque acreditamos que isso não é o melhor para o nosso paciente.

Caros futuros colegas. O mínimo que fazem agora é reconhecer o erro. Que vocês levantem suas calças, peçam desculpas aos seus pacientes e à medicina. E se a faculdade não ensinou o que é mais importante, que, a partir dessa lição, não errem tão feio. Sei que ainda irão cometer erros, mas que esses erros sejam cometidos na busca do melhor para o paciente. E que no futuro também se revoltem quando ofenderem o que é mais importante em sua profissão: o paciente.

Artigo de autoria de Getúlio Bernardo Morato Filho, médico especialista em Medicina Esportiva e em Pediatra, com área de atuação em Medicina do Adolescente, Docente do Curso de Medicina da ESCS (Escola Superior de Ciências da Saúde), de Brasília (DF).

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