28/07/2006

CFM desobriga médicos de prolongar a vida dos pacientes terminais

Resolução proporá fim de tratamento quando não houver mais saída, respeitando vontade do doente e da família
Quando os recursos médicos se esgotam e o diagnóstico confirma que o estado do paciente é irreversível, o que resta ao médico fazer? Entubar e mandar para a UTI? Colocar o respirador e deixar o coração batendo artificialmente? Prolongar ao máximo a vida? A resposta, bem menos tecnológica e bastante delicada, pode ser simplesmente aliviar a dor, oferecer o máximo possível de cuidados paliativos e deixar o paciente próximo de familiares nos últimos momentos de vida, segundo uma resolução que será editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Uma minuta da resolução já está pronta e diz que é ético e "permitido que o médico limite ou suspenda tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal". O texto também diz que, em caso de morte encefálica, e do paciente não ser doador de órgãos, os aparelhos devem ser desligados - o que, ainda hoje, nem sempre ocorre e deixa muitos médicos apreensivos, com medo de ações penais.
Na prática, significa que um paciente com câncer terminal, com todos os órgãos afetados e sem tratamento possível, deve receber apenas anestesia, remédios que controlem a dor ou sintomas fortes. Mas, na hora em que o coração parar de bater ou o pulmão de respirar, não deve ser ressuscitado e colocado em aparelhos, onde viveria mais alguns dias ou semanas, muitas vezes inconsciente. Isso, claro, desde que a família ou o próprio doente estejam de acordo.

"Hoje o médico é instado pelo Código de Ética Médica a não parar nunca e sempre tentar fazer alguma coisa em benefício do paciente. Vivemos o conflito entre fazer tudo que a tecnologia oferece ou permitir que o paciente morra em casa ou no quarto, com a família. Vemos pessoas morrendo cheias de tubos, numa UTI, longe da família, prolongando apenas alguns dias e sabendo que o ciclo biológico chegou ao fim", explica o médico cardiologista Roberto D'Ávila, diretor do Conselho Federal de Medicina e um dos responsáveis pela elaboração da resolução, que ainda está aberta a sugestões. "Queremos discutir isso com a sociedade e com os próprios médicos."

É o caso, por exemplo, do ex-governador paulista Mário Covas (1930-2000), que morreu após várias complicações provocadas por um câncer. Na época, Covas optou por ficar em um quarto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e não na UTI. Segundo declarações de seu médico na época, o infectologista David Uip, foi uma decisão para manter a dignidade do paciente. Opção semelhante fez o papa João Paulo II, morto em abril do ano passado. Ele preferiu passar os últimos dias em seu quarto na residência oficial do Vaticano, recebendo cuidados paliativos.


NÃO RESSUSCITE

O respeito a essa vontade do paciente também deve ser proposto pela minuta. D'Ávila cita, por exemplo, a sigla DRN (em inglês "do not resuscitate", ou não ressuscite), usada por americanos e europeus quando não querem que sua vida seja prolongada artificialmente. "Eles deixam isso registrado no prontuário e a sigla fica na cama. No Brasil, por mais que você deixe uma procuração, ninguém respeita."

Na falta de um modelo a seguir, ou de uma resolução que trate do tema, nos hospitais brasileiros decisões como essa acabam variando muito, dependendo da visão pessoal do médico e da iniciativa da família. "Como não há um modelo que oriente o procedimento do médico nesse sentido, acaba dependendo do discernimento de cada um. Há os que aceitam tranqüilamente quando a família pede para manter os cuidados paliativos e não prolongar artificialmente a vida", diz Desiré Carlos Callegari, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), que, no ano passado, elaborou uma resolução semelhante. O texto chegou a ser colocado em discussão pública e, com base nela o CFM agora retoma o assunto.


A minuta do Conselho Federal de Medicina


Artigo 1º - É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante

Explicações - O médico tem a obrigação de esclarecer sobre os tratamentos adequados para cada situação. Quando o doente estiver incapaz e não houver representante, a decisão caberá ao médico

Artigo 2º - O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar sintomas, assegurando-se assistência integral

Artigo 3º - É vedado ao médico manter os procedimentos que asseguravam o funcionamento dos órgãos vitais quando houver sido diagnosticada a morte encefálica em não-doador de órgãos.

O Estado de S.Paulo - 28/07/2006





Conselho de medicina discute norma que aprova ortotanásia



O CFM (Conselho Federal de Medicina) está discutindo uma resolução que permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente incurável, em fase terminal. Uma minuta do texto será apresentada hoje em um fórum que acontece em São Paulo sobre terminalidade da vida.


Em 2005, o Ministério Público paulista condenou medida semelhante proposta pelo conselho médico do Estado por entender que era eutanásia, prática ilegal pela qual se busca abreviar a vida de um doente incurável. Para os médicos, a resolução trata da ortotanásia, o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida quando não há mais chances de recuperação.


Segundo Roberto D'Àvila, corregedor do CFM e coordenador da câmara técnica que elabora a resolução, a idéia da norma é tranqüilizar os médicos de que é possível interromper a "obstinação terapêutica desnecessária", desde que essa seja a vontade do doente ou do seu representante legal.


Ele diz que o próximo passo será discutir a resolução com representantes de associações de doentes crônicos e, por último, submetê-la à aprovação do pleno do CFM.


Na resolução a ser apresentada hoje, há argumentos embasados em princípios da Constituição, como o de que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".


"Não há ilegalidade na suspensão de tratamentos que não dão vida, mas a prolongam artificialmente", diz Diaulas Costa Ribeiro, promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde, da Promotoria de Brasília.


O padre Leo Pessini, especialista em bioética, concorda. "É preciso reconhecer que existe um limite na vida e que hoje os recursos tecnológicos a prolongam inutilmente."


Folha de S.Paulo - 28/07/2006




Médicos ficarão desobrigados de prolongar a vida


Resolução a ser editada pelo Conselho Federal de Medicina propõe fim de tratamento quando não houver opção, respeitando vontade do doente e da família


Quando os recursos médicos se esgotam e o diagnóstico confirma que o estado do paciente é irreversível, o que resta ao médico fazer? Entubar e mandar para a UTI? Colocar o respirador e deixar o coração batendo artificialmente? Prolongar ao máximo a vida? A resposta, bem menos tecnológica e bastante delicada, pode ser simplesmente aliviar a dor, oferecer o máximo possível de cuidados paliativos e deixar o paciente próximo de familiares nos últimos momentos de vida, segundo uma resolução a ser editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Uma minuta da resolução já está pronta e diz que é ético e "permitido que o médico limite ou suspenda tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal". O texto também diz que, em caso de morte encefálica, e do paciente não ser doador de órgãos, os aparelhos devem ser desligados.

Na prática, significa que um paciente com câncer terminal, com todos os órgãos afetados e sem tratamento possível, deve receber apenas anestesia, remédios que controlem a dor ou sintomas fortes. Mas, na hora em que o coração parar de bater ou o pulmão de respirar, não deve ser ressuscitado e colocado em aparelhos, onde viveria mais alguns dias ou semanas, muitas vezes inconsciente.
Isso, claro, desde que a família ou o doente estejam de acordo.

"Hoje o médico é instado pelo Código de Ética Médica a não parar nunca e sempre tentar fazer alguma coisa em benefício do paciente. Vivemos o conflito entre fazer tudo que a tecnologia oferece ou permitir que o paciente morra em casa ou no quarto, com a família. Vemos pessoas morrendo cheias de tubos, numa UTI, longe da família, prolongando apenas alguns dias e sabendo que o ciclo biológico chegou ao fim", explica o médico cardiologista Roberto D'Ávila, diretor do Conselho Federal de Medicina e um dos responsáveis pela elaboração da resolução, que ainda está aberta a sugestões. "Queremos discutir isso com a sociedade e com os próprios médicos."

É o caso, por exemplo, do ex-governador paulista Mário Covas (1930-2000), que morreu após várias complicações provocadas por um câncer. Na época, Covas optou por ficar em um quarto do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e não na UTI. Segundo declarações de seu médico na época, o infectologista David Uip, foi uma decisão para manter a dignidade do paciente. Opção semelhante fez o papa João Paulo II, morto em abril de 2005. Ele quis passar os últimos dias em seu quarto, recebendo cuidados paliativos.

O respeito a essa vontade do paciente também deve ser proposto pela minuta. D'Ávila cita, por exemplo, a sigla DRN (em inglês do not resuscitate, ou não ressuscite), usada por americanos e europeus quando não querem que sua vida seja prolongada artificialmente. "Eles deixam isso registrado no prontuário e a sigla fica na cama. No Brasil, por mais que você deixe uma procuração, ninguém respeita."

Na falta de um modelo a seguir, ou de uma resolução que trate do tema, nos hospitais brasileiros decisões como essa acabam variando muito, dependendo da visão pessoal do médico e da iniciativa da família. "Como não há um modelo que oriente o procedimento do médico nesse sentido, acaba dependendo do discernimento de cada um", diz Desiré Carlos Callegari, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), que, no ano passado, elaborou uma resolução semelhante. O texto chegou a ser colocado em discussão pública e, com base nela o CFM agora retoma o assunto.


Por SIMONE IWASSO (simone.iwasso@grupoestado.com.br) Jornal da Tarde (SP) - 28/07/2006


Clique aqui e leia a notícia veiculada no site do CFM sobre o Fórum de Terminalidade da Vida.

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