14/11/2018

Cuba deixa Mais Médicos por discordar de exigências do governo eleito

Presidente eleito Jair Bolsonaro havia cobrado que cubanos passem por exame de capacitação, como os demais graduados no exterior que atuam no país; assunto tem ampla repercussão, sendo o assunto mais comentado pelo Twitter no mundo nesta quarta

O governo de Cuba informou nesta quarta-feira (14) que deixará de fazer parte do programa Mais Médicos. A justificativa do Ministério da Saúde cubano é que as exigências feitas pelo governo eleito são “inaceitáveis” e “violam” acordos anteriores. O presidente eleito Jair Bolsonaro disse, na sua conta do Twitter, que a permanência dos cubanos está condicionada à realização do Revalida pelos profissionais, que é o exame aplicado aos médicos que se formam no exterior e querem atuar no Brasil. Em nota publicada nesta data, o CFM expressou sua posição sobre o tema.

“Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou", disse o presidente eleito, na rede social. "Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos", publicou mais tarde.

Para as autoridades cubanas, o governo eleito questiona a preparação dos médicos ao exigir que eles se submetam à revalidação do título para serem contratados. Em documento enviado pelo Ministério da Saúde de Cuba, as autoridades cubanas ressaltam que o acordo do Mais Médicos foi ratificado em 2016. No comunicado, afirmam que questionar a capacidade dos profissionais do país é indigno. “Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos.”

No período eleitoral, Bolsonaro disse que pretendia manter o programa, mas sem viés ideológico e comprovando capacidade técnica para o trabalho a ser desempenhado. Segundo ele, o conceito do programa social vai além da questão de saúde.

clique para ampliarclique para ampliarChegada dos primeiros intercambistas no Ceará, em 2013. (Foto: G1)

Histórico

O programa foi criado em 2013, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, para levar médicos a regiões distantes e periferias do país. A vinda dos médicos cubanos foi acertada por meio de convênio firmado entre os governos brasileiro e de Cuba, por meio da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), e que dispensava a validação do diploma dos profissionais. Na ocasião, o acordo foi questionado por entidades médicas brasileiras. 

Em abril deste ano, o Ministério da Saúde confirmou a suspensão do envio de 710 profissionais cubanos ao Brasil para trabalhar no programa Mais Médicos. Na ocasião, o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse que a iniciativa não prejudicaria o país. Segundo Barros, o governo cubano tinha a previsão de reduzir de 11,4 mil para 7,4 mil médicos de Cuba no período de três anos. De acordo com ele, as substituições serão feitas por médicos brasileiros que estão no cadastro anterior. Anteriormente, a previsão era de o Brasil receber de 3 mil a 4 mil profissionais cubanos este ano.

Atualmente, conforme dados do ministério, o programa tem 18.240 médicos trabalhando em 4.058 municípios e 34 distritos sanitários especiais indígenas.

À Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou que apenas recebeu o comunicado da Opas sobre o anúncio do governo cubano de deixar o Mais Médicos, e mais informações serão divulgadas nos próximos dias.

Países

O Ministério da Saúde de Cuba informou que há médicos cubanos em atuação em 67 países. Em 55 anos, o órgão destacou foram 600 mil missões internacionais, em 64 países, envolvendo mais de 400 mil profissionais de saúde cubanos.

O órgão informou que os profissionais da área trabalharam no combate ao ebola na África, à cólera no Haiti e em missões de desastres e epidemias no Paquistão,na Indonésia, no México, Equador, Peru, Chile e na Venezuela.

clique para ampliarclique para ampliarMobilização dos médicos de Curitiba em 2013, em defesa da garantia de qualidade na atenção à saúde. (Foto: CRM-PR)

Expulsão pelo Revalida

Em notícia publicada nesta quarta (14) em seu Portal, o G1 destaca que, em agosto, ainda em campanha, Bolsonaro declarou que ele "expulsaria" os médicos cubanos do Brasil com base no exame de revalidação de diploma de médicos formados no exterior, o Revalida. A promessa também estava em seu plano de governo. Fora do Mais Médicos, os formados no exterior não podem atuar na medicina brasileira sem a aprovação no Revalida. Mas no caso do programa federal, todos os estrangeiros participantes têm autorização de atuar no Brasil mesmo sem ter se submetido ao exame.

“Nós juntos temos como fazer o Brasil melhor para todos e não para grupelhos que se apoderaram do poder e [há] mais de 20 anos nos assaltam e cada vez mais tendo levado para um caminho que nós não queremos. Vamos botar um ponto final do Foro de São Paulo. Vamos expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil”, declarou Bolsonaro em pronunciamento realizado em Presidente Prudente (SP).

“Qualquer estrangeiro vindo trabalhar aqui na área de medicina tem que aplicar o Revalida. Se você for para qualquer país do mundo, também. Nós não podemos botar gente de Cuba aqui sem o mínimo de comprovação de que eles realmente saibam o exercício da profissão. Você não pode, só porque o pobre que é atendido por eles, botar pessoas que talvez não tenham qualificação para tal”, justificou.

Após a decisão do governo cubano, Bolsonaro se manifestou pelo Twitter dizendo: "Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou."

Bolsonaro disse ainda que "além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos". O presidente eleito acrescentou que "Cuba fica com a maior parte do salário dos médicos cubanos e restringe a liberdade desses profissionais e de seus familiares".

"Eles estão se retirando do Mais Médicos por não aceitarem rever esta situação absurda que viola direitos humanos. Lamentável!", escreveu no Twitter.

Decisão do STF

Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o Mais Médicos e autorizou a dispensa da validação de diploma de estrangeiros ao julgar ações que questionavam pontos do programa federal, como acordo que paga salários mais baixos para médicos cubanos.

A atuação dos médicos cubanos no Brasil gera polêmica desde a criação do Mais Médicos. No entanto, o programa contrata profissionais de várias nacionalidades, e não apenas cubanos.

No Mais Médicos, pouco mais da metade – 8.556 dos 16.707 participantes – vêm de Cuba, de acordo com dados obtidos pelo G1. Todos os profissionais, independentemente do país de origem, precisam ter diploma de medicina expedido por instituição de ensino superior estrangeira, habilitação para o exercício da profissão no país de origem e ter conhecimento de língua portuguesa, regras de organização do SUS e de protocolos e diretrizes clínicas de atenção básica.

Veja pontos do programa Mais Médicos

•             Foi criado em julho de 2013 para ampliar o atendimento médico principalmente em regiões mais carentes.

•             Em agosto de 2013, fechado acordo com a Opas para participação de médicos cubanos.

•             Participação de brasileiros formados no Brasil aumentou 38% entre 2016 e 2017, de acordo com o Ministério da Saúde.

•             Programa tem 18.240 vagas em mais de 4 mil municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

•             Atende cerca de 63 milhões de brasileiros, de acordo com o Ministério da Saúde.

•             Participação de cubanos no programa tinha sido renovada no início deste ano por mais cinco anos.

•             Levantamento do governo divulgado em 2016 apontou que o programa é responsável por 48% das equipes de Atenção Básica em municípios com até 10 mil habitantes.

•             Em 1.100 municípios atendido pelo programa, o Mais Médicos representava 100% da cobertura de Atenção Básica, de acordo com dados divulgados em 2016.

Nota do governo cubano

Confira a íntegra da nota do governo cubano, publicada no jornal “Granma”:

"Declaração do Ministério da Saúde Pública:

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Panamericana de Saúde.

O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que durante os 55 anos guiaram a cooperação médica cubana, participa desde o inicio de agosto de 2013 no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal de saúde promovida pela Organização Mundial da Saúde.

Esse programa previa a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas daquele país.

A participação cubana no mesmo é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de lugares não cobertos por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades.

Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113.359.000 pacientes em mais de 3.600 municípios, chegando a cobrir um universo de 60 milhões de brasileiros na época em que constituíram 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.

O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, estaduais e municipais daquele país e de sua população, que lhe concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.

Em 27 de setembro de 2016, o Ministério da Saúde Pública, em uma declaração oficial, informou perto da data de expiração do contrato e no meio dos eventos relacionados ao golpe de Estado legislativo-judicial contra a presidenta Dilma Rousseff, que Cuba "continuará a participar no acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais ", o que foi respeitado até agora.

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com refetrências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, disse e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Pan-Americana da Saúde e o que esta acordou com Cuba, ao questionar o preparo de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única forma de se contratá-los a forma individual.

As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas em 2016 com a renegociação da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil e o Convênio de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença de profissionais cubanos no Programa.

Portanto, diante desta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e o comunicou à diretora da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.

Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. Destacam-se as façanhas da luta contra o ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias "Henry Reeve" no Paquistão , Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.

Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35.613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente, como expressão da nossa solidariedade e vocação internacionalista.

Os funcionários tiveram seus postos de trabalho e 100% de seu salário em Cuba mantidos, com todas as garantias trabalhistas e sociais, como o resto dos trabalhadores do Sistema Nacional de Saúde.

A experiência do Programa Mais Médicos para o Brasil e a participação cubana demonstram que um programa de cooperação Sul-Sul pode ser estruturado sob os auspícios da Organização Pan-Americana da Saúde para promover seus objetivos em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas na cooperação triangular e na implementação da Agenda 2030 com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Os povos da nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.

O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que contou desde o início com os médicos cubanos, aprecia suas virtudes e aprecia o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que o atenderam, poderá entender sobre quem recai a responsabilidade que nossos médicos não podem continuar fornecendo sua contribuição solidária nesse país.

Havana, 14 de novembro de 2018”

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