Depressão: vamos conversar?

Marco Antonio Bessa

“Os vazios do homem não sentem ao nada do vazio qualquer.”

(João Cabral de Mello Neto)

 

A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que, hoje, 350 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo, sendo em torno de 11 milhões no Brasil e 54 milhões na China. Houve um aumento de 20% de casos na última década, o que faz da depressão a maior causa de incapacitação no mundo. Reflete na queda da produtividade no trabalho, ocasionando alto custo global, desperdiçando cerca de um trilhão de dólares por ano.

No entanto, apesar da importância médica e social que esses números indicam, a depressão ainda é uma enfermidade envolta em preconceitos, desinformação e estigma. Mesmo entre médicos costuma-se ouvir que depressão não existe. “É tudo falta de força de vontade, acomodação de pessoa fraca ou mimada”. Procura-se uma fonte externa e, se não é encontrada (uma perda familiar, desemprego, doenças...), conclui-se que a pessoa não tem motivos para estar deprimida. Assim, deve ser forte e reagir. Claro, tal fato ainda é mais frequente se a depressão afeta um homem, para quem problemas emocionais não são coisa de “macho”. Isto afasta os homens da busca de ajuda profissional e do tratamento de que necessitam.

De modo geral, as pessoas permanecem sem diagnóstico e sem tratamento em quase metade dos casos nos países desenvolvidos, com o índice alcançando entre 80 e 90% nos países não desenvolvidos. Sob a ótica apenas econômica, estima-se que cada dólar investido em tratamento produza quatro dólares de lucro, por resultar em aumento da produtividade no trabalho e melhora na saúde.

A depressão não é apenas uma tristeza, uma melancolia ou irritação  relacionada às frustrações do cotidiano – o time perder, o congestionamento do trânsito, a difícil situação econômica, a desavença familiar ou no trabalho. Ela pode acontecer em crianças, adolescentes, homens, mulheres e idosos. Não respeita idade, sexo, profissão, nível cultural e econômico.

Os sintomas são variados e com graduações diferentes. Apresenta-se como tristeza, sensação de vazio, desesperança, irritação e impaciência. Pode ser uma total falta de interesse e de prazer por tudo: família, trabalho, amigos, lazer, religião. A memória e a atenção estão afetados e o pensamento pode estar lento, pesado e é complicado raciocinar e tomar decisões, mesmo aquelas comuns, como que roupa vestir. As noites tornam-se intermináveis por uma insônia resistente. Ou os dias tornam-se inúteis devido a um sono incontrolável. O apetite fica desregulado, com correspondente perda ou ganho de peso. Pode haver uma sensação de inutilidade, cansaço ou falta de energia para tudo. Tomar um banho, além de desnecessário, equivale a um dos doze trabalhos de Hércules. Pode haver sensação de culpa, de falta de sentido em tudo e, para muitos, surge a vontade de morrer ou de pôr fim à vida e seu sofrimento profundo.

O que se entendia como um mero cansaço ou tédio de quem não tem problemas, obscurece o pensamento, os sentimentos, a vontade e a vitalidade do corpo. A família, os estudos e o trabalho ficam desinteressantes e desimportantes. A morte parece uma solução. Não é por acaso, portanto, que as taxas de suicídio são elevadas no panorama internacional. Em torno de 800 mil pessoas suicidam-se por ano ‑ ou um caso a cada 4 segundos. Os estudos apontam que entre 70% e 80% dessas pessoas nos países ricos e cerca da metade nos países pobres sofrem por transtornos mentais, em especial o transtorno depressivo. Ainda, a depressão aumenta o risco de outros transtornos, tais como dependência química, diabetes e doenças cardiovasculares, que também são importantes causas de mortalidade.

Atenta a esse flagelo, a OMS iniciou no Dia Mundial da Saúde (7 de abril) a campanha sobre a depressão. Definiu como lema “Depressão: vamos conversar?”. É uma iniciativa que busca incentivar a prevenção e a procura de tratamento para a doença. Auxiliará também na diminuição das sombras do preconceito e do estigma. Incentivará a procura por profissionais, em particular os psiquiatras, que podem oferecer tratamento adequado. Procurar um psiquiatra não significa que a pessoa esteja louca, como ainda se acredita no senso comum.

O objetivo da campanha é alertar a população de que a depressão é um grave problema real e que pode afetar qualquer pessoa, em qualquer fase da vida e ocasionar consequências funestas, se não diagnosticada e tratada. É claro que a campanha oferece um grande desafio aos países ‑ Brasil incluído ‑ para que ampliem os serviços públicos de atendimento psiquiátrico e de saúde mental. Que criem uma rede de tratamento com o acesso rápido e com profissionais de outras especialidades médicas e de saúde mental, altamente qualificados e treinados para o diagnóstico e tratamento precoce, e que possam encaminhar os casos mais graves e refratários para os especialistas.

Por ser uma doença complexa, que depende da interação de múltiplos fatores, como os genéticos, os familiares, os culturais, os históricos, os econômicos e os ambientais, o tratamento não é simples. Não basta receitar uma pílula da felicidade ou uma terapia mágica. O tratamento exige inúmeras intervenções que vão desde a oferta de melhores condições de vida, como transporte, segurança e educação. Somam-se medidas que visem a diminuição do estresse, a promoção da saúde e a prevenção das doenças, como diabetes, hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismo e outros transtornos mentais.

Uma abordagem correta, identificando em cada caso quais são os principais fatores determinantes e que métodos terapêuticos são mais adequados, podem resultar em significativa melhora e recuperação, permitindo o alívio do sofrimento das pessoas e das famílias afetadas.

Ao participar da campanha da OMS, precisamos compreender que uma doença grave e pouco comentada de modo correto, exige que a sociedade reconheça sua existência, respeite os doentes, enfrente as condições que dificultam seu diagnóstico e tratamento e promova a saúde como um bem maior.

Por isso, “depressão: vamos conversar?”

 

Artigo de autoria de Marco Antonio Bessa, conselheiro e coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-PR, professor adjunto de Psiquiatria da UFPR, doutor em Psiquiatria e mestre em Filosofia e ex-presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria.

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