14/03/2007

Enfermeiro é proibido de receitar remédio


Liminar do Tribunal Regional Federal de Brasília afeta diretamente o Programa Saúde da Família, que atende mais de 80 milhões. Profissionais não poderão também realizar diagnósticos e solicitar exames, práticas tidas como privativas dos médicos.




O Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília suspendeu, por meio de liminar, uma portaria do Ministério da Saúde, do ano passado, que permitia a prática de atos tidos como privativos do médico -como diagnósticos e prescrição de medicamentospor outros profissionais da saúde.


A decisão judicial trata especificamente de uma das diretrizes da portaria 648/2006, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica. Ainda cabe recurso. Entre outras atribuições, ela prevê que enfermeiros do PSF (Programa de Saúde da Família) realizem consultas, solicitem exames complementares e prescrevam medicamentos.


A ação judicial inicial foi movida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e tramita na 4ª Vara Federal de Brasília, ainda sem julgamento.


Na prática, a liminar pode afetar a principal estratégia de atenção básica à saúde do Brasil, o PSF. Hoje, o programa atende mais de 80 milhões de pessoas. As equipes são compostas por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde.


No dia-a-dia, até os próprios enfermeiros reconhecem que, às vezes, vão além da função regulamentada por lei e esbarram na atuação do médico.


"Imagine se dependêssemos do médico para diagnosticar e medicar cada caso de febre ou de enjôo que chega ao posto de saúde. Não vejo nada demais o enfermeiro receitar um Plasil [contra enjôo] ou uma Novalgina [contra dor e febre]", afirma a enfermeira Joana (nome fictício), que integra uma das equipes do PSF em São Paulo.


Para a desembargadora federal que proferiu a decisão, Maria do Carmo Cardoso, a implantação da portaria acarretaria o aumento de riscos de doenças e agravos à saúde pública. "Profissionais sem a devida formação técnica e habilitação jurídica estarão exercendo ilegalmente a medicina."


Segundo o vice-presidente do CFM, Clóvis Constantino, a decisão judicial corrige uma falha do Ministério da Saúde que, na portaria 648, permite que profissionais não-médicos ajam como tal. "A legislação que rege as profissões é clara naquilo que os profissionais podem fazer de acordo com o que aprenderam nas grades curriculares da academia."


Para ele, a luta do CFM para derrubar a portaria não é por reserva de mercado.



Enfermagem


Em recente decisão, a corte especial do Tribunal Regional Federal também derrubou uma resolução do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), que autorizava o enfermeiro a prescrever medicamentos e a solicitar exames de rotina e complementares.


A corte entendeu que a norma "ofende a ordem administrativa e a saúde pública, pois concedia aos enfermeiros autonomia na escolha e posologia dos medicamentos e permitia a solicitação de exames".


Segundo a presidente do Cofen, Dulce Dirclair Huf Bais, o conselho não pretende recorrer dessa decisão porque entende que a resolução, da forma como foi redigida, deixou margem a erros de interpretação.


"A resolução dava a entender que o enfermeiro poderia fazer a prescrição inicial de medicamento. Em nenhum lugar do mundo é assegurado a prescrição inicial de medicamento para o enfermeiro. Isso é privativo do médico."


Segundo ela, uma lei federal garante ao enfermeiro competências como a prescrição de remédios desde que seja uma repetição do que foi inicialmente decidido pelo médico.


Por exemplo, no programa de combate à tuberculose, o enfermeiro pode receber um paciente suspeito e pedir um exame de escarro para "adiantar" o trabalho do médico, que, posteriormente, irá medicá-lo. Como o tratamento demora, em média, seis meses, o enfermeiro tem a autorização de repetir a prescrição médica nas próximas consultas.




"Conselho queria transformar profissional em submédicos'



Eno Filho, diretor científico da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, afirmou que as atribuições haviam sido definidas pelo conselho de enfermagem (já derrubadas por uma decisão do TRF), como as prescrições, tentavam transformar o enfermeiro em um "submédico", em vez de valorizá-lo.


"Algumas lideranças os transformaram em submédico, em de vez de superenfermeiro." Segundo o diretor, há reclamações em listas de discussão da sociedade sobre enfermeiros que assumem o papel de médicos, mas são pontuais. Para ele, os casos não ocorrem em razão da precarização dos serviços e falta de médicos, mas sim pelo incentivo de lideranças dos enfermeiros.


O diretor destaca que o enfermeiro não é "serviçal" do médico nas equipes do Saúde da Família. Os profissionais, avalia, têm habilidades diferentes, que se complementam.


Segundo Eno Filho, enfermeiros têm melhor preparo para determinadas tarefas.


"Enfermeiro tem formação bem maior na área de gestão de serviço, fundamental para otimizar estoques. É bastante treinado para identificar, na dinâmica da família, as questões do autocuidado, de higiene, alimentação. E as medições da saúde [peso, altura], a realização dos curativos são de domínio amplo do enfermeiro."


São Paulo tem 940 de seus 2.500 enfermeiros trabalhando no Programa Saúde da Família, um dos maiores do país, com cobertura de cerca de 30% da população. A Secretaria Municipal da Saúde não quis comentar a medida judicial por desconhecê-la oficialmente.




Ministério não comenta decisão



A decisão do Tribunal Regional Federal foi publicada no "Diário da Justiça da União", do dia 6, mas, até o início da noite de ontem, o Ministério da Saúde alegava desconhecê-la.


Segundo a assessoria de imprensa, a pasta não poderia comentar a decisão por não ter conhecimento sobre o seu teor.


Informada que o conteúdo poderia ser acessado no "Diário da Justiça", a assessoria disse que consultaria o departamento jurídico. Depois retornou dizendo que a pasta não comentaria porque a decisão não era definitiva.


Fonte: Folha de S.Paulo

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