Ética no ensino

Ainda vigora, na maioria das salas de aula, uma relação de estabilidade entre o professor e o aluno. Está sedimentada no fato do saber de o professor ser o instrumento de coerção, com o qual instaura o poder na sala de aula. Isso, partindo da premissa de que o ensino universitário é um sistema duplamente repressivo, pois também marginaliza a atividade social de grupos sensibilizados para perceber a necessidade de mudanças radicais.
Na prática, a conseqüência é a falta de sintonia entre o que se aprende nas disciplinas acadêmicas e que mostra a realidade social, significando graves distorções de avaliação e uma formação profissional insatisfatória. Assim, entendo que a busca de respostas aos novos desafios desta época denominada de pós-modernidade passará não só pela reestruturação do aparelho formador e sua efetiva valorização, mas, principalmente, eleger uma metodologia de ensino de uma ética profissional que se imponha às leis do mercado e que retome os ideais de respeito às diferenças e aos princípios universais de igualdade e justiça.
Ser professor é exercer, numa perspectiva de totalidade pessoal, as mediações possíveis da relação do aluno com o mundo, visando facilitar a apreensão, domínio e, portanto, capacidade transformadora da realidade. ( Lobo Neto, em "Ser professor: necessidade de formação específica").
As escolas médicas trabalham com o conhecimento científico como finalidade, onde todo o discurso é direcionado na pretensão da verdade e, parafraseando João Cabral de Mello e Silva, "como tempo as verdades vão ficando um tanto duvidosas".
É preciso resgatar os ideais revolucionários das Américas. Nossos problemas não são diferentes; cabe aos professores e estudantes de nossos países demonstrar as desgraças deste povo, que sofre cada vez mais sem ter acesso a uma saúde de qualidade.
Ninguém pode isolar uma nação com homens e mulheres imbuídos de um mesmo ideal. Por esta razão, os médicos precisam estar unidos na busca da dignidade de nosso povo.
À medida que passam os anos de nossa formação, notamos na maioria dos colegas a perda progressiva da originalidade e da capacidade de sonhar. O poeta catarinense Lindolfo Bell tinha razão quando afirmava que "o homem tem o tamanho de seus sonhos".
Só será possível a mudança se adotarmos a defesa intransigente de princípios.
Entendo que as avaliações de alunos após sua formação, como critério de competência e condição de inserção no mercado de trabalho, significa sancionar a desigualdade e desconhecer a finalidade da escola, pois esquece toda a ideologia da inadequação das escolas como promoção do trabalho intelectual, como instrumento de justiça social e de garantia de oportunidade para todos.
É mais interessante, politicamente, impedir o exercício da profissão aos que forem considerados incompetentes do que fechar a escola ou impedir o vestibular ou avaliar os professores. Falta coragem para ir à raiz do problema e iniciar uma política de educação séria e justa. É preciso desenvolver processos de avaliação durante a formação médica para que sejam possíveis as correções e jamais criar mecanismos de avaliação usados apenas ao final do curso, pois não corrige os erros, deficiências e estrutura dos cursos e pune apenas o produto que é o aluno.
A melhoria do ensino exige que o Ministério da Educação promova a oportunidade de uma melhor capacitação docente, uma política de incentivo aos hospitais-escola, atendendo suas reais necessidades e uma real valorização dos servidores e, fundamentalmente, que o Estado proíba a abertura de novas escolas médicas, diminua vagas onde há excesso e que viabilize o aperfeiçoamento dos cursos já existentes.
Pensar que os chamados "exames de ordem" representam uma resposta às nossas preocupações. É desconhecer o processo de ensino superior entre nós, como forma sub-reptícia de desmantelar o ensino público e gratuito e privatizá-lo. É adotar uma posição extremista, sem refletir sobre as causas da inadequação da formação profissional do médico. É recusar-se a reconhecer que despreparo dos graduandos é conseqüência direta de sua formação. Portanto, deficiência do próprio curso profissional em razão da qualidade do ensino, da metodologia, das práticas pedagógicas, da qualificação dos professores, das condições de ensino e estrutura do hospital-escola, laboratórios, rede de exames complementares disponíveis e, principalmente, de seu compromisso com a educação médica.
Se um dos objetos da escola é a transmissão do conhecimento, é inegável que a escola não passa de um veículo que perpetua o processo de mercantilização da cultura ao definir os conhecimentos que interessam ao sistema e, assim, criando uma reserva de conhecimento técnico, que é um dos objetivos do capitalismo.
As práticas escolares são, desta forma, responsáveis pelo desajustamento de alguns estudantes, pois ela existe para manter e sancionar as desigualdades perpetuando a divisão do trabalho e reproduzindo as relações sociais dominantes, alimentando as estratégias de gestão neoliberal centradas nos critérios meritocráticos. Desta forma, as escolas se apresentam como um eficaz fator de conservação social, pois fornece uma aparência de legitimidade às desigualdades sociais.
Os professores precisam perceber que estão sendo utilizados como agentes desta exploração e manutenção das elites, onde as universidades estão se convertendo em fábricas de conformistas. Ao aluno consciente, o dever é enfrentar a servidão coma doutrinação para a liberdade, magistralmente refletida nas palavras de Nietszche: "Transgredir normas e regras preestabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes desta ousadia".
Na realidade, está se educando; ou melhor, se escolarizando, para a aceitação das regras ditadas pelas elites econômicas e culturais. Ensina-se uma igualdade do dever, a prática do respeito às ordens, hierarquia e disciplina, o controle dos instintos, o abafamento da personalidade e para aceitação de certas superioridades inexistentes. Enfim, para a aceitação das regras do sistema.
A maioria ainda não se resignou aos objetivos mercantilistas que imperam na escolarização. Também a maior parte dos professores conserva dentro de si os ideais da educação, o compromisso com as minorias que são injustiçadas e procura ser um agente a serviço de uma proposta de educação que prioriza a valorização dos princípios fundamentais do homem.
Concordo com a crítica que vê dificuldade e até impossibilidade do educador despertar o sentimento de solidariedade, se a sociedade estimula a competição tornando os indivíduos rivais. Contudo, é dever do professor ciente de sua responsabilidade despertar no aluno a preocupação com os problemas fundamentais da comunidade, sendo um fator de transformação da ordem social.


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