25/06/2007

Residência médica chega aos 30 anos com problemas


Avaliação é de Antonio Carlos Lopes, secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica e diretor no MEC.
Segundo o médico, 90% das instituições que pedem mais residentes só querem ter gente para dar conta do trabalho nos ambulatórios



A residência médica chega aos 30 anos no Brasil com problemas que vão desde a falta de preceptores (especialistas para formar os residentes) até a exploração do trabalho dos residentes. Segundo Antonio Carlos Lopes, 59, secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica e diretor do departamento de residência médica da Secretaria Nacional de Ensino Superior do MEC, 90% das instituições que pedem mais vagas para residentes só estão interessadas em ter gente para dar conta do trabalho nos ambulatórios.

Folha - A residência médica chega aos 30 anos com qualidade?

Antonio Carlos Lopes - Evidentemente a qualidade da residência varia muito de um local para o outro. Ela varia de acordo com as regiões e de uma instituição para outra. Há instituições de excelência e há outras com problemas.

Folha - Quais são os principais problemas?

Lopes - A residência depende da presença de um preceptor, que precisa ter habilidades, ética, atitude, informação e que saiba ensinar pelo testemunho da sua presença. É preciso também que haja um supervisor experiente que idealize a metodologia do ensino da residência e é necessário, ainda, que a instituição ofereça materiais e recursos ao residente. Fechei várias residências em Brasília porque a luva era saquinho de plástico, o que é inaceitável. Em alguns locais, falta estrutura mínima para o indivíduo ser treinado. E há também sobrecarga grande de trabalho para o residente. Em muitos casos, ele vira mão-de-obra barata.

Folha - Os hospitais abusam do trabalho dos residentes?

Lopes - Sim. A prova é que, se o residente entra em greve, o hospital fecha.

Folha - E por que há esse abuso?

Lopes - Constantemente há solicitação para que a gente aumente o número de vagas de residência. A maioria desses locais que pede o aumento de vagas não está preocupada com a formação dos residentes. Eles querem mais gente que toque o trabalho no ambulatório, que desafogue o serviço. Noventa por cento de quem pede mais vagas é porque precisa de gente para tocar o trabalho.

Folha - O que um residente faz hoje que não deveria estar fazendo?

Lopes - Ele não deveria estar trabalhando sem preceptoria adequada, não deveria estar tocando ambulatórios sozinhos, por exemplo. Ele não pode ser mão-de-obra barata, ele é aluno e precisa ser supervisionado. Residência médica não é tocação de serviço.

Folha - É difícil encontrar bons preceptores?

Lopes - É. O preceptor não é remunerado, acabou a residência, pode estar trabalhando e acaba quebrando o galho como preceptor. Quando, na realidade, o preceptor tem de estar intimamente ligado ao residente. Neste ano, estamos tentando resgatar a qualidade do preceptor. Como não temos como pagá-lo porque isso envolve leis trabalhistas, vamos registrá-los no MEC. Eles passarão a ter um certificado que deverá contar pontos na pós-graduação e poderá servir como diferencial em concursos.

Folha - Há muitos preceptores que não são bem preparados?

Lopes - Na realidade, hoje os preceptores são aqueles que não têm o que fazer, não há interesse pela preceptoria.

Folha - Quais são os outros objetivos do MEC em relação à residência?

Lopes - Outro ponto é estabelecer um instrumento de avaliação dos programas de residência. Hoje há avaliação a cada cinco anos, mas queremos acompanhar isso mais de perto. Estamos estabelecendo comissões de acompanhamento para saber se as falhas apontadas estão sendo corrigidas. Não vamos mais esperar cinco anos para fechar uma residência. Antes também era possível que um pediatra avaliasse a neurocirurgia, mas agora já há resolução que diz que a vistoria tem de ser feita por médico da área.

Folha - Esse acompanhamento não existia antes?

Lopes - Assim, contínuo, não. As visitas de acompanhamento passarão a existir já neste ano. Só assim teremos médicos mais bem formados.

Folha - Como estimular a residência em regiões mais distantes?

Lopes - No Acre, por exemplo, falta cardiologista e não há residência na especialidade lá. Então pegamos quem fez residência em clínica médica no Estado [é preciso fazer essa antes] e ele presta concurso para residência de cardiologia em outro Estado, paga pelo governo. Formado, volta ao Acre para implantar a residência lá. É uma forma de fixá-lo no local.

Folha - Mas há um contrato que o obriga a voltar para o Acre?

Lopes - Ele faz residência onde foi aprovado e no último ano completa a formação no Acre. Senão, não recebe certificado.

Folha - É também por conta dos problemas na residência que há médicos malformados?

Lopes - É, porque se você faz um curso de graduação péssimo e uma residência ruim, vai para o mercado de que jeito?


Fonte: Folha de S.Paulo

Envie para seus amigos

Verifique os campos abaixo.
    * campos obrigatórios

    Comunicar Erro

    Verifique os campos abaixo.

    * campos obrigatórios