23/05/2007

Restrição ao álcool


Proposta do governo para conter abuso do álcool é correta, mas insuficiente diante da magnitude do drama de saúde pública


COM ALGUMAS décadas de atraso o governo brasileiro decidiu tornar mais rígidas suas diretrizes em relação ao abuso de bebidas alcoólicas e deve baixar hoje o decreto que institui a Política Nacional sobre o Álcool (PNA). A necessidade de fazê-lo é premente. O álcool é uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência. Estudo da Organização Mundial da Saúde atribui ao abuso etílico 3,2% de todas as mortes ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais). Metade delas tem como causa doenças e a outra metade ferimentos, dos quais cerca de 2/3 são não-intencionais e 1/3 propositais.

No Brasil, segundo dados da Secretaria Nacional Antidrogas (2005), 12,3% da população entre 12 e 65 anos pode ser considerada dependente. Entre 2002 e 2006, o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou mais de R$ 40 milhões no tratamento de etilistas.

Pesquisa de 2006 da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego revelou que 61% dos motoristas haviam ingerido bebidas alcoólicas antes do acidente. De acordo com outros estudos, essa proporção é ainda maior nos desastres que envolvem óbitos. Anualmente, o trânsito mata no Brasil cerca de 35 mil pessoas.

Diante desses números, são até amenas as propostas contidas no PNA do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. A mais polêmica delas diz respeito às restrições mais fortes à publicidade de cervejas. Por força de lobbies poderosos, a lei nº 9.294, que regula a publicidade de álcool, tabaco e remédios, criou uma exclusão indevida. Bebidas com teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac -categoria das cervejas- não são consideradas alcoólicas para efeitos propagandísticos.

É uma distorção, só explicável pelo fato de a indústria de cervejas faturar R$ 20 bilhões ao ano e investir R$ 700 milhões em publicidade, afora o que destina legalmente a campanhas políticas.

No plano médico e científico, porém, a diferença de tratamento entre bebidas fermentadas (que raramente passam dos 13 graus) e destiladas (mais fortes) não encontra respaldo. O grau de intoxicação de um indivíduo se dá em função do volume de álcool ingerido, e não da gradação do produto consumido.

O fato de o governo pretender acabar com a incômoda exceção por meio de decreto presidencial e de resolução da Anvisa deverá provocar dificuldades jurídicas. Teria sido mais prudente proceder à alteração por projeto de lei.
Outras medidas previstas no PNA incluem a proibição da venda de bebidas em rodovias federais e em postos de gasolina (aí em acordo com os municípios) e ações específicas voltadas para a comunidade indígena e assentamentos rurais, onde a prevalência do alcoolismo é maior.

São propostas que caminham na direção correta, embora sejam insuficientes para dar conta da magnitude do problema, que é de saúde pública. Para avançar mais, o governo vai precisar perder os escrúpulos de estabelecer um controle mais rígido sobre os pontos-de-venda (inclusive de horário) e elevar a carga de impostos sobre bebidas.


Fonte: Editorial publicado na Folha de S. Paulo em 23 de maio de 2007

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