WhatsApp na atividade médica: vilão ou aliado?

Leonardo Savian Batistella

O aplicativo WhatsApp revolucionou a comunicação, com isso, profissionais de vários setores estão fazendo do seu uso o principal meio de comunicação entre colegas e clientes. No caso dos Médicos, sem generalizar, essa tendência não tem sido diferente.

Com isso, muitos médicos me fazem algumas perguntas, mas duas são mais frequentes:

- Posso atender meus pacientes via WhatsApp, mesmo que para passar informações simples?

- Posso discutir casos clínicos via WhatsApp com os meus colegas de profissão?

Em relação aos pacientes:

Segundo  o  CFM  em  sua  Resolução  nº  1958/2010,  “a  consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnosticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único  momento”.

O Código de Ética Médica diz, em seu artigo 37, ser proibido ao médico “prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”.

A Lei 12.842/2013, Lei do Ato Médico, em seu artigo 2º diz que o médico deve agir com o máximo de zelo.

Dito isso, peguemos o caso hipotético de um idoso impossibilitado de se locomover até o médico, onde o geriatra utiliza do aplicativo para conversar com a filha do paciente, as informações transmitidas por ela provavelmente sejam diferentes se, ao invés dela, o interlocutor fosse o outro filho do enfermo, e assim sucessivamente.

Com isso, as chances de prejudicar o paciente são grandes, assim como as chances deste profissional ser responsabilizado judicialmente, e com razão, por eventuais erros cometidos por esta forma precária de atendimento.

Desta forma, utilizar do aplicativo, ainda que para esclarecer informações simples, como a posologia, é uma conduta arriscada, haja vista que não é um ato zeloso, pois algumas informações podem ser perdidas ou confundidas durante esta conversa à distância.

Agora, ao discutir casos clínicos com os seus colegas:

A atividade médica, assim como a advocacia e outras profissões, possui o dever de sigilo das informações que envolvem a vida e a privacidade dos pacientes que procuram seus profissionais. Não fosse assim, ninguém procuraria psiquiatras, urologistas, proctologistas, ginecologistas, advogados de direito de família, de registros de marcas e  patentes, tributaristas, psicólogos, contadores etc.

Quando os médicos necessitam debater casos clínicos diretamente com os demais profissionais da sua área, ou ainda, pedir ajuda para médicos de outras especialidades, logicamente, até certo ponto, os pacientes são expostos, porém, como todos os profissionais estão obrigados ao dever de sigilo, tal prática é lícita e aconselhável, uma vez que é feita visando a melhoria do quadro clínico do enfermo.

Ocorre que, atualmente, o WhatsApp elevou o grau de compartilhamento dessas informações, sendo praxe a discussão de casos clínicos pelo aplicativo, muitas vezes em grupos. Quando a identidade do paciente é preservada, dificilmente teremos um desdobramento jurídico em função disso, porém, divulgando a identidade do paciente,  particularmente se ele for pessoa de publicidade notável na sociedade, o profissional que compartilha tais informações, ainda que no intuito de discutir o caso clínico em si, está  assumindo um sério risco para a sua integridade profissional, respondendo criminalmente e civilmente por possível lesão causada à privacidade de seu paciente, caso isso fuja do contexto médico.

Tivemos um caso de repercussão envolvendo a divulgação do estado clínico da ex-primeira dama, Marisa, onde uma médica divulgou em um grupo do WhatsApp tais  informações, deste grupo alguém vazou a informação para outro grupo, e assim  sucessivamente até alcançar o grande público.

Neste caso, provavelmente a finalidade da profissional não tenha sido a  de discutir o prognóstico da paciente, todavia, à todos os médicos, estudantes e residentes de medicina, é de bom alvitre que utilizem do WhatsApp com a máxima restrição e atenção possíveis, não divulgando dados de identidade ou características físicas que não sejam necessárias para a finalidade de discutir o caso clínico, haja vista que as informações transmitidas pelo aplicativo ficam gravadas, diferentemente se a troca de informações fosse realizada pessoalmente ou por telefone.

Provavelmente, a médica em questão não tivera má intenção em sua atitude, mas os desdobramentos que originaram de seu ato repercutiram e fugiram do controle, expondo pessoa que, independente de sua ética ou moral, tinha o direito à privacidade naquela ocasião, ferindo o Juramento Hipocrático, que em uma parte assim dispõe: “Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto”.

Talvez a falha esteja nas instituições de ensino da medicina, que não chamam maior atenção para estes fatos, ou, talvez, esteja apenas na falta de cuidado do profissional que assim age.

O fato é que os profissionais da saúde devem ter atenção redobrada ao discutir casos clínicos via WhatsApp, assim como evitar totalmente comunicar-se com pacientes pelo aplicativo ou qualquer outro meio similar, sob pena de sofrerem uma severa marca na sua atuação profissional, certamente de forma desnecessária.

Artigo escrito por Leonardo Savian Batistella, Advogado especialista em Direito Médico.

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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