18/12/2006

Cursinhos se especializam em candidatos à residência médica

Para MEC, tendência reflete fragilidade de faculdades; prova prática tenta deter influência dos preparatórios



Foram três anos de cursinho pré-vestibular. Seis anos de graduação na Universidade de Santo Amaro (Unisa), em São Paulo, e, desde o começo de 2006, mais dez meses de cursinho preparatório para a prova de residência em Oftalmologia. O médico recém-formado Alan Barreira, de 25 anos, seguiu uma tendência cada vez mais comum entre os estudantes de Medicina: dividir o tempo de estudo entre os plantões, nos dois últimos anos de faculdade, e um curso especializado em aprovar alunos nos exames das principais faculdades e hospitais do País.


A residência é um dos caminhos da especialização para o médico. O outro é fazer a prova das sociedades e associações de especialidades médicas. As residências mais concorridas costumam ser as de dermatologia (130 candidatos a 6 vagas na Unifesp, por exemplo), ortopedia (80 disputando 5 vagas também na Unifesp), oftalmologia e clínica médica. "Valeu a pena fazer o cursinho, mas não é isso que vai decidir o sucesso", diz Barreira. "O importante é ter feito um bom internato (os últimos anos da faculdade)."


Pelo menos três grandes cursos - MedCel, SJT e MedCurso - já têm suas filiais espalhadas por todo o País. O primeiro tem ainda unidades em Santa Cruz de La Sierra e Cochabamba, na Bolívia, destino de muitos alunos brasileiros que fazem graduação no exterior. As aulas acontecem normalmente durante os finais de semana e contam com atividades online, além de serem transmitidas via satélite para as unidades mais distantes. O curso dura um ano e custa entre R$ 350 e R$ 500.


"Temos 52 unidades em todo o País, e outras 20 aptas a receber as aulas. Basta haver a demanda e estaremos lá", diz Atílio Gustavo Blanco Barbosa, diretor do MedCel. O SJT também tem planos de expandir suas 22 filiais no País. O curso, aberto há oito anos em São Paulo, tem cerca de 2.800 alunos e deve englobar mais dez unidades em 2007. "O curso é uma revisão da faculdade", diz o coordenador pedagógico do SJT, Raimundo Araújo Gama. "O aluno entra na faculdade com 17 anos e aqui tem o resgate de uma série de perdas que teve durante o curso." A direção da MedCurso foi procurada pela reportagem, mas não retornou as ligações.




Dicas para passar na prova



Apesar do sucesso dessas empresas, a opinião da maioria das faculdades sobre elas é desfavorável. "Não é uma atividade ilegal, mas é moralmente questionável", diz Maria do Patrocínio Tenório Nunes, coordenadora de Residência Médica da Faculdade de Medicina da USP. Ela questiona a presença de professores das universidades públicas nesses cursinhos. "Se eu aprendo todas as técnicas e metodologia de ensino em uma instituição pública, é ético cobrar por isso?", pergunta.


A opinião do coordenador do exame de residência da Universidade Federal Paulista, Flávio Faloppa, não é diferente. Preocupados em passar na prova, os alunos deixam as atividades da faculdade de lado. "A formação humanística vem através do dia-a-dia, da relação médico-paciente", diz. "Isso não se aprende nos cursinhos."


Um absurdo. Essa é a definição do secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação, Antônio Carlos Lopes, para o crescimento dos cursinhos preparatórios para provas das especialidades médicas.


A expansão, segundo ele, é reflexo da fragilidade de alguns cursos de Medicina. O aluno deixa de aprender onde deveria e tem de recorrer aos cursinhos. "Eles são uma ferramenta de exclusão social", diz. "Quem tem dinheiro pode pagar e receber uma série de dicas para passar nas provas que não têm o exame prático."


O exame a que Lopes se refere vem sendo adotado pelas universidades como forma de selecionar melhor os alunos e como desestímulo aos cursinhos. A primeira prova a adotar o exame prático foi a da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo.


Há quatro anos, o exame era só com questões de múltipla escolha. Um ano depois incluiu as questões dissertativas. Hoje, essas questões têm peso 5. A parte prática, 4, e a entrevista, 1. "Concluímos que as provas de múltipla escolha são inadequadas para avaliar o conhecimento médico", diz Maria do Patrocínio Tenório Nunes. "São questões sem margem para interpretação."



Mal necessário


Para os alunos, no entanto, os cursinhos parecem continuar sendo um mal necessário. "É lamentável a proliferação dos cursinhos", conta a médica Andréia de Almeida Tamega, formada há três anos pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Mas as provas não condizem com nosso internato."


A própria Andréia não escapou. Após se formar, ingressou na residência em Saúde Pública. No último dos três anos da especialização começou a fazer o cursinho para prestar a prova para dermatologia. Agora está no primeiro ano de sua segunda residência. "Hoje, as pessoas não estudam mais pelos livros acadêmicos e sim pelas apostilas desses cursos", revela.



Números


9.113 formandos em Medicina chegaram ao mercado em 2005. Depois de seis anos de faculdade, tornam-se clínicos gerais e a maior parte irá tentar se tornar especialista em alguma área. A prova de residência médica é a forma mais indicada para isso.


17.861 vagas de residência médica são oferecidas todos os anos, em média. Os números são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC). Apesar de ser superior ao número de formandos por ano, especialistas apontam insuficiências como a alta concentração regional.


149 cursos de Medicina estão espalhados pelo Brasil. Destes, 39 são federais, 24 estaduais, 6 municipais, 34 particulares e 46 filantrópicos.


29 cursos de Medicina são oferecidos no Estado de São Paulo. Isso corresponde a quase 20% do total.



Fonte: jornal O Estado de S.Paulo

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