A ascensão da mulher na medicina e o ideal humanístico

Laura Moeller

“Não será por números, com igualdade ou mais homens ou mulheres na atividade que teremos uma melhor medicina. Será sob a consciência de cada um dos valores humanísticos de aplicar seu conhecimento, sua capacidade profissional em prol da saúde e bem-estar do paciente, sempre o respeitando em sua autonomia.”

 

Começamos março, o aclamado mês das mulheres edificado, ao final do século XIX, através de lutas pelo direito ao voto, melhores condições de vida e trabalho. Transcorrido o século XX, percebeu-se a constante transformação do significado da data, exaltada mais intensamente para lembrar as conquistas femininas nos campos sociais, políticos e econômicos. Neste olhar mais global, conferiu-se a outro plano as divisões geográficas, étnicas, linguísticas e culturais, tão presentes num país das dimensões como o nosso e com realidades tão conflituosas. Daí se supor o quanto é desafiadora a missão de equilibrar oportunidades e forças ante aos extremos de riquezas e pobrezas, sejam elas quais forem.

São os alicerces humanísticos que sustentam e mobilizam uma sociedade, sendo neste senso que a medicina, em suas mais variadas condições, tem relevante papel em alimentar a plenitude evolutiva. Amenizar sofrimento, confortar, reabilitar, promover a saúde e bem-estar. Enfim, tratar doenças e cuidar das pessoas são características essenciais à função médica e, neste contexto, independe do gênero. É inegável que a chamada feminização da medicina que se amplifica nestes primeiros 20 anos do século XXI traz a energia impulsionadora das capacidades relacionadas ao ser humano. Não é pretensioso demais dizer que o carinho, a perseverança e a dedicação da mulher dão textura aos princípios hipocráticos, auspiciando novos tempos à dignidade humana.

Precisamos nos curvar às pioneiras, que romperam toda gama de preconceitos e resistências para abraçar a causa médica. No Paraná, temos entre os exemplos a Dra. Maria Falce de Macedo, não só a primeira médica a se formar pela UFPR, em dezembro de 1919, mas também a que se iniciou na docência no curso de Medicina. Seguiu os passos da Dra. Rita Lobato de Freitas, a primeira mulher a se formar em território brasileiro, na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887, e que pavimentou o caminho para que outras tantas mulheres se vissem impelidas a escolher a profissão, como a Dra. WladyslawaWolowskaMussi, nascida na Grande Curitiba em 1910 e formada também pela UFPR, constitui-se na primeira médica a atuar em Santa Catarina.

Enaltecemos todo esforço histórico, a jornada de superação de nossas colegas médicas – e também os médicos – que com generosidade e comprometimento abraçaram a desafiadora carreira em seus mais variados contextos, prezando pelo respeito ao próximo e dando exemplos ao universo de mulheres que se iniciam ou já estão na atividade. Há um século, em 1920, as mulheres representavam somente 21,49% dos médicos no Brasil. Em 2010, o índice já tinha subido para 39,91%, numa tendência mundial de crescimento que tem seus principais exemplos os países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Irlanda e Noruega.

O número de mulheres ingressantes nos cursos médicos no Brasil tem sido maior nos últimos 10 anos, num fenômeno que projeta já para o próximo decênio uma inversão estatística, como ocorre desde 2011 no grupo de profissionais até 29 anos. No Paraná, hoje, as mulheres correspondem a 41,41% entre os 27.500 médicos ativos. Em São Paulo, o percentual chega a 45,43%, enquanto Alagoas se constitui no primeiro estado onde a presença feminina na medicina é prevalente: 51,09% dos 5.173 profissionais. Em Pernambuco, alcança 48,81%. Nas várias regiões do Paraná ainda há grandes disparidades. Enquanto a região de Pato Branco tem apenas 29,09% de mulheres médicas, em Curitiba o índice salta para 47,5%.

Neste cenário, não há dúvida de que o crescente número de médicas foi chancelado pelos movimentos históricos do século passado, quando a mulher ocidental buscou e lutou por condições de trabalho. As estatísticas também mostram que o público feminino difere do masculino na escolha de especialidades, fixação territorial, jornada laborativa e até na forma de exercer sua atividade. Estamos aqui falando de liberdades de escolha para carreira, onde se busca o equilíbrio com suas próprias expectativas, não somente profissionais, mas também familiares e sociais.

Se teremos mais cirurgiãs vasculares ou urologistas, especialidades hoje exercidas quase que exclusivamente por homens, isto será uma circunstância que não se pode sobrepor à necessidade de termos profissionais bem formados, comprometidos, saudáveis em seus propósitos em benefício da sociedade e dos sistemas de saúde. Se aí o gênero se constitui em detalhe irrelevante, tem a mulher o papel preponderante no exercício de suas habilidades, sensibilidade e resiliência.

Se o Dia Internacional da Mulher teve o seu sentido original parcialmente diluído, adquirindo frequentemente um caráter festivo e comercial, cabe-nos manter acesa a chama de perseverança e inspiração para novos e melhores horizontes, onde médicas – e médicos – não se distanciem dos ditames éticos da profissão, tendo em mente sempre que o alvo de toda sua atenção é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade.

Parabéns às mulheres em sua luta contra preconceitos, desigualdades e que sejam respeitadas em sua humanidade.

 

* Laura Moeller é médica especialista em clínica médica e reumatologia, mestre em medicina interna pela UFPR, onde foi professora. É conselheira do CRM-PR.

** Artigo com versão publicada no dia 08/03/2019 no jornal Bem Paraná.

*** As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

Envie para seus amigos

Verifique os campos abaixo.
    * campos obrigatórios

    Comunicar Erro

    Verifique os campos abaixo.

    * campos obrigatórios