A coragem de parar

Luiz Ernesto Pujol e Marco Antonio do Socorro Bessa

O desgaste e as alterações moleculares que comprometem a divisão celular do organismo humano, cuja velocidade de avanço está na dependência do estilo de vida, de influências do meio ambiente e de aspectos genéticos próprios de cada indivíduo, determinam o que se conhece como envelhecimento.

É de consenso que as deficiências orgânicas e funcionais não decorrentes de doenças, surgidas com o passar dos anos, são avaliadas sob vários aspectos, não só sob a fisiologia e bioquímica do organismo, mas também sob a condição de manutenção de atividade e desempenho intelectual e psicológico, e aspectos econômicos decorrentes da natural incapacidade de pleno trabalho físico e mental.

O principal problema da senescência são os danos neurológicos, comprometendo aspectos cognitivos e de memória, com repercussão negativa nos relacionamentos e na capacidade funcional dos indivíduos.

Neste ponto, suspendemos nossa interferência no campo da geriatria, mesmo porque não é nossa intenção discorrer sobre o envelhecimento, mas, sim, sobre suas consequências na atividade médica.

Nos trabalhos que desenvolvemos no Conselho Regional de Medicina do Paraná, temos notado um grande número de colegas médicos e médicas que, por vários motivos, persistem dando atenção e efetuando procedimentos, apesar de serem longevos e já apresentando sinais de senescência.

São médicos e médicas que, em sua maioria, têm um currículo profissional invejável, já curaram milhares de doentes, já ensinaram grande leva de alunos, já efetuaram partos a perder a conta, já operaram com êxito absoluto centenas de doentes, já criaram seus filhos, são reconhecidos pela população e por seus colegas como extremamente capazes nas suas atividades assistenciais e venerados pela dedicação e disponibilidade a cada um daqueles que tiveram o privilégio de por eles ser atendidos.

No entanto, hoje sem condições físicas e mentais para acompanhar o avanço exponencial das terapêuticas e tecnologias da medicina, difícil até aos jovens médicos, insistem em manter suas atividades.

Alguns persistem em continuar na assistência médica por motivos econômicos, pois fazem parte de uma geração que jamais foi orientada na indispensável educação de que suas economias deveriam ter sido previdentemente provisionadas às atenções que o envelhecimento exigiria; outros o fazem por rejeitar a senescência e as suas consequentes incapacidades, colocando em risco os pacientes que atendem; e outros mais porque exerceram a medicina sacrificando-se e a seus familiares por longos anos, mantendo a convicção de que serão médicos até morrer.

A negação da senescência pode fazer parte da personalidade da maioria das pessoas, mas não da dos médicos.

Nenhuma profissão exige tanto empenho, devotamento, amor e responsabilidade à sociedade do que a medicina. Nenhuma profissão leva ao trabalho ininterrupto por 24 horas, feriados, dias festivos familiares, sono estipulado, sem tempo para lazer e, principalmente, na maioria das vezes sem o merecido reconhecimento pelo seu trabalho.

Nosso colega, hoje muito idoso, merece que reconheçamos seus valores exercidos por tantos anos e seja acolhido com o nosso aplauso mais efusivo, quando corajosamente não deixará de ser o médico que sempre foi, mas que em algum momento tomou a sábia decisão de se afastar da lida diária da medicina e passará a ter uma vida merecidamente voltada a si mesmo e aos seus, coisa que não teve tempo de fazer.

*Luiz Ernesto Pujol é conselheiro e secretário-geral do CRM-PR, membro da Comissão de Interdição Ética.

*Marco Antonio do Socorro Marques Ribeiro Bessa é conselheiro e coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-PR.

**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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