A era do Dr. Google





A decisão da Anvisa de retirar do mercado alguns antiinflamatórios inibidores de COX-2 e mudar as regras para a venda desses produtos reacendeu o debate sobre a segurança dos medicamentos.


A medida, motivada pelo elevado registro de reações adversas, é, no mínimo, contraditória e questionável.


Antiinflamatórios tradicionais há décadas no mercado historicamente registram muito mais queixas de problemas graves. O fato, no entanto, foi ignorado pelas autoridades. É consenso que não há remédios isentos de efeitos colaterais ¿ em média 10% dos pacientes apresentam alguma reação relacionada ao seu uso. Por isso, tanto se defende o uso racional. Também é inegável que a decisão reflete uma tentativa equivocada de corrigir deficiências do sistema de saúde pública que, incapaz de atender dignamente os cidadãos, estimula a automedicação.



Nesse cenário, ganha força o "Dr. Google"


Graças à velocidade e ao volume de dados disponíveis na internet, o paciente está mais informado sobre doenças e terapias. Contudo, assim como a internet ampliou a co-participação do paciente no tratamento, também aumentou os riscos do uso indiscriminado de remédios.


Lentamente, o "Dr. Google" assume o papel de parentes e amigos na indicação daquela receitinha infalível. Como no Brasil o acesso aos medicamentos, inclusive de prescrição, é facilitado pelo frouxo controle no balcão das farmácias, o risco de problemas é enorme.


A mobimortalidade por medicamentos é um problema de saúde pública.


O percentual de internações por intoxicação medicamentosa varia de 5% a 21%. O mais incrível é que 50% poderiam ser evitados. Os números, maiores a cada ano, refletem o consumo excessivo, a falta de conhecimento das contra-indicações, a automedicação e o uso indiscriminado.


A evolução medicamentosa nos permite hoje assistir a outra realidade em relação a diversas doenças severas e incuráveis. É o caso da Aids.


Antes dos anos 90, a sobrevida do portador de HIV era de cinco a sete meses. Já supera os 100.


No entanto, para que avanços como esses continuem acontecendo, é preciso que todos os membros da cadeia ¿ laboratórios, médicos, farmacêuticos e pacientes ¿ tomem consciência do uso racional de medicamentos, buscando aproveitar melhor os resultados terapêuticos.


Afinal, os remédios foram concebidos para salvar vidas e não para intoxicar ou pôr em risco os pacientes.


É preciso aliar conhecimento a responsabilidade: isso é uso racional.





Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor da Unifesp

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