A joelhada e a fratura: e se ele não fosse famoso?

Régis Eric Maia Barros

Eis que o sonho vai por ralo abaixo. Perto do fim do jogo, o atleta colombiano, na intermediária da área brasileira, toma distância e corre com os joelhos maldosos apontados para coluna de Neymar. Quando ele caiu no solo gritando e chorando de dor, não tinha como não perceber que alguma fratura ocorrera. Restava esperar se seria algo mais sério que pudesse ter lesado algum feixe ou estrutura nervosa. Por bem, dos males o menor, uma fratura que perturbará muito, mas que não atrapalhará a carreira dele.

Em menos de 30 minutos, ele estava num hospital adequado. Ele foi examinado por vários profissionais de diferentes especialidades. Ele foi investigado com diversos exames. Ele foi medicado e acolhido. Ele foi respeitado. Ele foi conduzido e o problema foi tratado e encaminhado. Claro que ele é famoso e que teria uma atenção diferenciada, mas esta deveria ser a atenção para todos, pois "todos" são diferenciados na sua essência e na sua história. Não acho que com ele deveria ser diferente, mas reflito e questiono por que com os outros nem de longe isto acontece. Nem de longe a seqüência dos fatos é pelo menos parecida. Por que aquele que não tem recursos não terá o mínimo de decência no atendimento.

Fiquei imaginando se o Neymar tivesse uma lesão semelhante quando ele estivesse começando a sua carreira. Se ele tivesse uma lesão parecida, antes de ser galáctico. Se ele tivesse um trauma qualquer, antes da fama. Se ele necessitasse do suporte médico e da saúde pública, sendo jogador da várzea. Enfim, se ele precisasse de um tratamento de saúde diferenciado e de qualquer natureza sendo um cidadão pobre como a grande maioria dos brasileiros. Talvez, ele esperasse dias e até semanas numa maca fria de hospital até que o especialista o visse rapidamente, visto que, a demanda nos hospitais públicos é meteórica. Talvez, se houvesse indicação de cirurgia, ele tivesse que esperar meses. Talvez, se ele necessitasse de um leito disponível de UTI, ele morresse. Talvez! Que pena, talvez. Seria tudo diferente para ele, mas este é o comum para os outros.

Aquele choro dele que tanto nos comoveu é o mesmo choro de muitos em quaisquer emergências e hospitais públicos do Brasil. O choro destes, em hospitais públicos, é tão doído como o choro do carismático Neymar. A diferença é que as lágrimas que correm nas rimas bucais deles não são tão difundidas pelo mundo como a dele. Mas, eu garanto - são lágrimas tão dolorosas quanto ou atrevo-me a afirmar que são até mais dolorosas, Certamente, eles doem mais, pois extrapolam o choro da dor havendo o choro agregado do abandono, desrespeito, impotência e descaso.

Lamento do fundo do meu coração pelo Neymar. Lamento por sua dor física e emocional. Lamento pelo seu sonho, transitoriamente, frustrado. Lamento! No entanto, lamento também com escala de megatons por aqueles que estão a esperar por tratamentos mesmo com dores semelhantes e maiores. Lamento, sim, por todos que gritam "sou brasileiro com muito orgulho e muito amor", mas que ficam a ver navios esperando pela saúde a ser ofertada por este país que eles tanto amam.

Artigo escrito por Régis Eric Maia Barros, médico psiquiatra, mestre e doutor em Saúde Mental pela FMRP – USP.

* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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