06/03/2020

A médica paranaense que pode se transformar na primeira mulher General do Exército

Filha de pioneiro intensivista, a oficial Coronel Carla Maria Clausi tem uma carreira cheia de condecorações; em fevereiro último, participou da Operação Regresso à Pátria Amada, enquanto Subdiretora de Saúde Operacional do Exército Brasileiro

clique para ampliarclique para ampliarEm sentido horário, em cirurgia na missão no Haiti, ao lado do pai recebendo do comandante do Exército a Medalha do Pacificador, com equipe da Operação Regresso e na passagem da direção do hospital. (Foto: Arquivo)

Em 7 de novembro de 2008, o desabamento do prédio de cinco andares da Escola Evangélica La Promèsse, no bairro de Pétion-Ville, periferia da capital do Haiti, Porto Príncipe, levou à morte quase uma centena de crianças que estavam em horário de aula. Uma equipe de nove militares brasileiros de saúde da MINUSTAH - Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, naquele país, decidiu desafiar os riscos à vida para tentar resgatar os pequenos que estavam sob os escombros. Quatro foram salvos em ato de heroísmo, exaltado pelos familiares, em gratidão, e testemunhas daquela tragédia. Na linha de frente desse episódio estavam a então Capitão Médica Carla e o Cabo Enfermeiro Ricardo, ambos das fileiras do Exército e que, depois, receberam condecorações militares e também homenagem especial da ONU.

Mais de 10 anos depois, aquela oficial médica já ascendeu, com méritos, ao posto de Coronel e detém as credenciais necessárias para concorrer à condição de primeira mulher General, o topo da hierarquia no Exército Brasileiro – a última das Forças Armadas, depois de Marinha e Aeronáutica, a aceitar o ingresso feminino na carreira militar. Com posição de destaque em todos os cursos de formação, como o primeiro lugar na Escola de Saúde do Exército, que abriu caminho definitivo como oficial médica, transformou-se, em 2015, na primeira mulher Diretora de uma Organização Militar de Saúde, o Hospital de Guarnição de João Pessoa, na Paraíba, estado que lhe conferiu título de cidadania honorária.

Permaneceu no cargo por dois anos e meio e experimentou novas promoções até chegar à função de Subdiretora de Saúde Operacional do Exército, que lhe reservou importante papel no planejamento e organização da estrutura hospitalar na Base Aérea de Anápolis (GO), para recepção e quarentena dos brasileiros repatriados da China, em meio à epidemia do coronavírus. O Hospital de Campanha, um dos três que o Exército dispõe, procedeu do Recife (PE) e foi desdobrado em estrutura física da própria Base Aérea, ficando pronto às vésperas da chegada das duas aeronaves com os viajantes brasileiros e as equipes da FAB envolvidas na operação.

clique para ampliarclique para ampliarCom Ângelo, adotado no Haiti, com o pai e seu mestre Roberto Clausi e nas Olimpíadas do Rio. (Foto: Arquivo)

Quem é?

Quem é esta médica-militar que se destaca nas duas missões? A Dra. Carla Maria Clausi é paranaense, natural de Curitiba, a única mulher entre os oito filhos do renomado médico, o Professor Doutor Roberto Mario Clausi, um dos primeiros intensivistas do Brasil e que faleceu no final do ano passado, em Curitiba. Foi também a única a seguir os passos do pai na Medicina, tendo se formado pela Universidade Federal do Paraná em 1987, um ano depois de seus colegas de ingresso, por ter passado um período de estudos no exterior.

Depois de fazer Residência Médica em Cirurgia Geral no Hospital de Clínicas da UFPR, além de obter Especialização em Cardiologia Clínica, ela ingressou no Exército em 1996, como Tenente “temporária”, tendo atuado no Hospital Geral de Curitiba, como Chefe da UTI e do Serviço de Cardiologia. No ano seguinte, fez a prova para ingressar na carreira e conquistou o primeiro lugar na Escola de Saúde do Exército, no Rio de Janeiro, passaporte para o oficialato e para galgar graduações. Fez Especialização em Terapia Intensiva (2004-2006) na Universidade Livre de Bruxelas, sob orientação do afamado Professor Doutor Jean-Louis Vincent, obtendo depois a titulação em prova no Brasil. Ainda no Exército, fez Medicina Esportiva e os cursos equivalentes ao mestrado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), e ao doutorado, na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), tornando-se nesta última, posteriormente,  sua primeira mulher instrutora.

clique para ampliarclique para ampliarCom equipe do hospital de campanha nas enchentes de Pernambuco, em 2017, e em reconhecimento aéreo e chegada ao Haiti. (Foto: Arquivo)

Para a Dra. Carla, compor a primeira turma de mulheres médicas no Exército foi uma honra e um grande aprendizado, que diz assimilar todos os dias, engrandecendo-a como cidadã, profissional da área médica e militar presente em planejamento, coordenação e supervisão de atividades relacionadas à saúde. Ela conta sobre o ano que passou na Missão de Paz no Haiti e de quanto aprendeu de relações humanas, de respeito e de gratidão, inclusive levando-a a adotar o então pequeno Ângelo, hoje iniciando o curso de Relações Internacionais em Curitiba e que sonha um dia governar seu país de origem. Sobre o episódio de salvamento das crianças, relembra que foi “automático”. “Havia o risco de soterramento, como alertaram engenheiros e membros da equipe de socorro, mas era o que havia a ser feito; não desafiar a morte, mas manter a esperança e acreditar na vida”, resume. Foram seis horas e meia de suspense até a retirada da última das crianças, Murielle.

A médica paranaense destaca que as Forças Armadas têm grande experiência em missões de apoio humanitário e de paz pelo mundo, como a desenvolvida no Haiti e aumentada após o terremoto de 2010, e a Operação Acolhida, a maior de natureza humanitária em território nacional, que ocorre desde Março de 2018, em Pacaraima, em Roraima, na fronteira com a Venezuela. A Força-Tarefa que envolve 11 ministérios possibilitou rápida reação ao grande fluxo migratório dirigido ao Brasil. “São trabalhos que elevam a credibilidade do Exército junto à população; mostram que somos do bem, que queremos o melhor para o país e para a sociedade”.

Sobre a Operação Regresso à Pátria Amada Brasil, relata que a montagem da estrutura para acolher as 34 pessoas retiradas do epicentro da contaminação pelo vírus, na China, e mais os 24 integrantes da equipe técnica, ocorreu em cinco dias, ficando pronta em 8 de Fevereiro, véspera da chegada dos dois voos da FAB em Anápolis, a 55 km de Goiânia. A médica conta que tudo foi preparado para qualquer intercorrência, porém, durante a quarentena, somente dois atendimentos médicos foram realizados, nenhum de gravidade. No período de 14 dias, três equipes (uma de cada Força) se revezaram. Cada uma tinha dois médicos, três sargentos enfermeiros e um técnico em radiologia, todos muito bem preparados, como ressaltou. Embora sediada em Brasília, a Dra. Carla acompanhou de perto todo o trabalho, aproveitando a ponte-aérea com aviões da FAB.

Apesar da agenda sempre cheia e muitas operações de treinamento, a médica encontra tempo para visitar a família pelo menos uma vez por mês em Curitiba, onde residem a mãe, todos os irmãos e demais familiares. Também se ocupa, mesmo que a distância, com o funcionamento de Serviço Intensivo que o pai havia montado, em hospital da capital paranaense.

clique para ampliarclique para ampliarComemorando a 1ª medalha feminina de Orientação, bronze em 2011; com a equipe do CISM em Wuhan, China, em outubro de 2019; integrante e medalhista da equipe campeã dos jogos militares, em 2019; e a equipe de revezamento do 1º campeonato, em 1999.. (Foto: Arquivo)

Corrida de Orientação, o hobby

O hobby preferido, ela confirma, tem origem nos próprios treinamentos que realizava quando ingressou na carreira militar: a corrida de Orientação. Com espírito de competição, propõe percorrer pontos de controle marcados no terreno, no menor tempo possível e somente com auxílio de mapa e bússola. Quanto mais acidentado o terreno, maior o desafio. A médica recorda que era 1º Tenente em 1999, quando participou do 23º Campeonato de Orientação das Forças Armadas, em Guarapuava. Foi autorizada a participar de uma das provas masculinas e da equipe de revezamento, recebendo medalha de Honra ao Mérito, por ter provado que mulheres podiam participar da modalidade. Inaugurou-se, assim, a presença de equipes femininas já na 24ª edição do campeonato, em Minas Gerais, no ano de 2000.

A partir daquela competição, foi convocada a primeira equipe feminina das Forças Armadas, sendo a Dra. Carla uma de suas quatro integrantes. Foi esse grupo que participou, pela primeira vez, do 34º Campeonato Mundial de Orientação do CISM (Conselho Internacional do Esporte Militar), em Portugal. Não parou mais desde então, tornando-se depois instrutora, coordenadora de equipe e, atualmente, é a representante do Brasil nesta modalidade junto ao CISM, fundado após a Segunda Guerra e que tem sede na Bélgica.

A Dra. Carla explica que há um calendário anual para militares em mais de 30 modalidades esportivas, onde estão inseridos os campeonatos do CISM, das Forças Armadas, das Forças Singulares, dos Comandos Militares de Área, das Regiões Militares, das Divisões de Exército e das Escolas Militares. A Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB), que em fevereiro completou 64 anos, tem o propósito de fomentar e incentivar a prática esportiva e destacar o Brasil como uma das grandes potências do esporte mundial. A CDMB integra o Departamento de Desporto Militar (DDM) do Ministério da Defesa e é filiada à União Desportiva Militar Sul-Americana (UDMSA) e ao Conselho Internacional do Esporte Militar. "O Exército Brasileiro ainda possui um Programa para Atletas de Alto Rendimento (PAAR), que apoia a maioria de nossos atletas olímpicos, além do Programa Força no Esporte (PROFESP), que incentiva crianças à prática de atividades físicas sob supervisão de especialistas, sendo, atualmente, uma de nossas maiores fontes para a descoberta de novos talentos esportivos", conta. Sobre a sua dedicação, reforça: "Quem quer ser militar tem de estar sempre em forma. A militar mulher tem sua forma particular de agir, sem precisar equiparar-se ao homem".

clique para ampliarclique para ampliarOficial médica Carla Clausi, formada pela UFPR em 1987. (Foto: Arquivo)

Sobre a real possibilidade de se transformar na primeira mulher a alcançar o Generalato no Exército, ela explica que somente ocorreu recentemente o ingresso feminino na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), que forma os oficiais de Arma e que, normalmente, podem chegar até os postos de General. Como são necessários aproximadamente 30 anos para um oficial chegar ao cargo de General, e como somente as médicas, entre todas as demais profissões ocupadas por mulheres na Força Terrestre, podem ocupar esses cargos do mais alto escalão, as integrantes da primeira turma de carreira, de 1997, como ela, serão as primeiras a concorrer à promoção, mas o farão de igual para igual com seus companheiros de turma, do segmento masculino. A Marinha, que implementou muito antes a carreira militar feminina, possui a primeira mulher que chegou ao Generalato no país, a Contra-Almirante Dalva Maria Carvalho Mendes. Dalva formou-se em Medicina no Rio de Janeiro e inscreveu-se no CRM daquele estado em Março de 1980.

CONFIRA MATERIAL ESPECIAL SOBRE O DIA INTERNACIONAL E A HOMENAGEM ÀS MULHERES.

CONFIRA VÍDEO PRODUZIDO PELA ONU EM HOMENAGEM À MÉDICA.

CONFIRA: MULHERES ESTÃO ASSUMINDO A LINHA DE FRENTE DO EXÉRCITO.

Na foto de capa do Portal, o cumprimento do General Eduardo Villas Bôas, que foi comandante do Exército de 2015 ao início de 2019.

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