A remuneração na saúde suplementar

O médico prestador de serviço aos planos de saúde é o único profissional liberal que perdeu o direito de arbitrar os valores dos próprios honorários.



Ninguém melhor do que o médico para falar sobre remuneração médica. O assunto é pauta de inúmeras e frequentes reuniões da classe, em todo país. No Paraná, os profissionais da Medicina buscam uma solução para o aviltamento da profissão, provocado pela desvalorização dos honorários praticados pela saúde suplementar.


Nos últimos dez anos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia criada em 2000 para regular o setor de saúde suplementar, autorizou reajustes aos planos de saúde (a serem repassados aos usuários) em 136,5% ante uma inflação de 105%. Isso representa um ganho real de 31,65%.


No mesmo período, os prestadores de serviço (médicos) tiveram reajuste médio não superior a 60% no valor da consulta - procedimento médico que mais subiu. Isso representa uma perda real (ante a mesma inflação) de 45%. Sem deixar de mencionar que existem procedimentos médicos cujos valores de honorários continuam congelados. É de pasmar, mas alguns planos ainda operam com uma tabela de 1992.


Pergunta-se em quanto foram reajustados os salários de outros profissionais, no Brasil, nos últimos dez anos? Que categoria profissional teve remuneração tão aviltada nesse período?


É importante lembrar que os médicos prestam serviços aos planos de saúde. Esses profissionais não têm salários fixos, não têm estabilidade, nem férias, nem décimo terceiro, nem fundo de garantia ou aposentadoria, e ainda têm de arcar com os custos integrais de seus consultórios e clínicas. A remuneração pelo trabalho médico é imposta unilateralmente pelas operadoras de saúde. Portanto, o médico prestador de serviço aos planos de saúde é o único profissional liberal do mundo que perdeu o direito de arbitrar os valores dos próprios honorários. Que empresários não gostariam de contar com esse tipo de funcionário?


A título de exemplo: uma operadora que diz pagar honorários de até R$ 4.500 por mês. Subtraia desse valor o IRPF e o INSS, que são retidos na fonte, chega-se ao valor de R$ 3.000. O custo de um consultório básico é, em média, R$ 1.500. Ou seja, essa operadora, no final das contas, paga cerca de R$ 1.500, valor inferior ao que paga o SUS, para atender as classes A e B, que podem pagar um plano de saúde. Já um médico especialista da prefeitura de Curitiba recebe cerca de R$ 2.500, com direito a férias, décimo terceiro salário, aposentadoria e não tem de arcar com os custos de um consultório.


A política das operadoras de saúde, esse modo de remunerar os médicos, penaliza duramente o médico, mas duplamente os próprios usuários, que já tiveram suas mensalidades reajustadas e ainda têm de ver seus médicos de confiança, os mais experientes e preparados, sendo obrigados a se descredenciarem dos planos de saúde para conseguir sobreviver profissionalmente. O descredenciamento é a terceira causa de reclamação dos usuários contra os planos de saúde, segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC).


A série de desrespeito não termina com o médico e o usuário. As operadoras - a maioria delas - desrespeitam sistematicamente, também, as resoluções da agência reguladora, a ANS. Isso pode ser verificado pelo descumprimento de leis (como a de numero 9.961) e resoluções (como as de número 42, 54 e 71), que tratam dos contratos com os profissionais médicos, cláusulas de reajuste e honorários.


Há, portanto, uma desproporcionalidade de forças na discussão de valores dos honorários entre médicos e operadoras. De um lado, as operadoras têm o aval da própria ANS - que não pune, nem fiscaliza. De outro, os profissionais médicos têm a porta de saída como serventia da casa, caso não esteja satisfeito. Conclui-se que quando o assunto é remuneração médica, o que se vê é a "susificação" do setor de saúde suplementar.



Vicente Florentino Castaldo Andrade é médico endocrinologista, presidente da Comissão de Defesa profissional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, regional Paraná.

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