Agressividade incontrolável

Luiz Ernesto Pujol e Marco Antonio do Socorro Bessa

Alguns quadros psiquiátricos graves podem apresentar manifestações de agressividade do indivíduo contra si mesmo ou contra outras pessoas, principalmente com aquelas que há maior convivência.

A agressividade patológica se traduz em um comportamento anômalo em que o doente se automutila e/ou agride aqueles que dele estão próximos, de uma forma repetida e incontrolável.

Tais quadros podem surgir na infância e permanecerem até a idade adulta, estando associados a distúrbios neurológicos complexos do sistema nervoso central.

Em alguns casos, felizmente raros, o tratamento medicamentoso com drogas cientificamente liberadas por rigorosos critérios científicos e por terapias comportamentais se mostram ineficazes no controle dessa manifestação comportamental, trazendo ao doente e aos seus cuidadores agravos físicos, emocionais, sociais e econômicos com péssima qualidade de vida a todos.

Nesses casos refratários a todo o arsenal terapêutico medicamentoso disponibilizado no momento à medicina, surgiu uma possibilidade de controle da agressividade por meio de uma nova técnica de radiocirurgia, dita estereostática, também chamada como neuropsicocirurgia, que é efetuada sem cortes no couro cabeludo, calota craniana ou cérebro. É um avanço tecnológico admirável, com aplicabilidade em várias patologias do cérebro. Porém, como em todo procedimento médico, não isenta de efeitos pós-operatórios passageiros ou definitivos, como pode ocorrer em todo e qualquer ato médico, por mais capazes que sejam a equipe médica e o hospital, e, ainda, o resultado não seja completo como o esperado.

A neuropsicocirurgia, no entanto, ainda carrega um certo estigma devido ao histórico da lobotomia ou leucotomia. Essa técnica foi desenvolvida na década de 30 do século passado pelo neurocirurgião português Egas Muniz, que por esse motivo foi laureado com o Prêmio Nobel de Medicina em 1949. Em uma época anterior aos novos psicofármacos, a neuropsicocirurgia foi recebida com grande entusiasmo, como uma forma de tratamento de casos psiquiátricos graves. No entanto, foi banalizada e aplicada em grande número de pacientes, sem nenhum controle, protocolo ou critérios técnicos e científicos, principalmente nos EUA e no Japão. As consequências foram catastróficas, vitimando milhares de pessoas e levando ao banimento da técnica na maioria dos países.

Em razão desse mau uso do método, a neuropsicocirurgia ficou estigmatizada e os poucos casos de pacientes que realmente poderiam se beneficiar ficaram sem essa possibilidade, pois os familiares e grupos sociais de defesa de direitos humanos e instituições jurídicas associaram esse procedimento com algum tipo de tortura, punição ou violação da dignidade da pessoa humana.

Na atualidade, não por desconfiança na capacidade dos médicos clínicos assistentes ou nos neurocirurgiões que efetuarão essa radiocirurgia, mas como uma proteção à sociedade, ao paciente e ao próprio médico, esse tipo de terapêutica deve obedecer a rigorosos critérios éticos que evitarão crendices infundadas nos resultados dessa terapêutica em qualquer situação de agressividade, em utilizá-la sem antes submeter o paciente a todos os tratamentos medicamentosos disponíveis para cada caso, ou mesmo ao risco de efetuar o tratamento da radiocirurgia sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, não esquecendo de aspectos de crenças religiosas a respeito. O Conselho Federal de Medicina editou uma resolução que regulamenta procedimentos éticos a serem cumpridos antes da neuropsicocirurgia.

Assim sendo, a Resolução do CFM de nº 2.057/13 traz, entre outras determinações, que a neuropsicocirurgia só será aceita após o cumprimento das seguintes condições: I) há necessidade do consentimento documental do paciente ou de seu representante legal; II) há que haver indicação formal pelo médico assistente, em que devem constar pormenorizadamente todos os tratamentos efetuados e que se mostraram ineficazes; III) a indicação do médico assistente deve ser respaldada por laudo de um psiquiatra e de um neurocirurgião não pertencentes ao serviço que efetuará o procedimento (laudos remunerados pelo CRM-PR), no qual deve ser comprovada a refratariedade a toda a medicação utilizada e aos tratamentos coadjuvantes; IV) aprovação pela Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM (membros não remunerados pelo CRM-PR); V) ao cirurgião cabe a indicação do melhor método cirúrgico a ser adotado naquele caso específico.

Toda essa metodologia, que só visa o melhor ao doente, leva algum tempo. Tempo este quase sempre não aceito pelo doente ou por seus responsáveis que há anos convivem com as manifestações da doença. Devem entender que tudo o que está sendo feito antes da autorização para o procedimento tem a finalidade de proteção ética e legal do doente e dos médicos que o atenderão.

* Dr. Luiz Ernesto Pujol é Pediatra e coordenador da Câmara Técnica de Pediatria do CRM-PR.

* Dr. Marco Antonio do Socorro Marques Ribeiro Bessa é Psiquiatra e coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-PR.

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