17/04/2007

Aluno se forma sem condição de atender


Com mais de 50 anos de profissão e com o 6.º livro no mercado, Jatene defende um exame como o da OAB para a Medicina

O cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene parece não pensar em aposentadoria. Aos 77 anos, continua dividindo seu tempo entre as funções de diretor-geral do Hospital do Coração (HCor) e professor emérito do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Não bastassem as atividades médica e acadêmica, ainda encontra tempo para escrever. Em março lançou seu sexto livro. Cartas a um Jovem Médico - Uma Escolha Pela Vida (ed. Campus, 208 págs., R$ 29,90) é, como diz, "um recado para os médicos de hoje".

Qual foi a motivação para o livro?

São as idéias de alguém que já tem mais de 50 anos de vivência na profissão e de como encaro os problemas atuais da medicina. Porque ela mudou muito com a incorporação tecnológica, com os novos equipamentos, o suporte medicamentoso, cirúrgico e os diagnósticos muito mais precisos. Com isso, as causas das doenças passaram a ser compreendidas de forma mais adequada.

A mudança toda foi positiva?

Existem aspectos negativos, como o custo excessivo dos aparelhos, dos exames, dos medicamentos protegidos por patentes. O fato de os diagnósticos serem feitos dessa forma tirou um pouco daquela mística de que era o médico o descobridor da doença, detentor do conhecimento e do poder de curar. Hoje, quando o doente vem ao consultório, já pesquisou na internet e já tem conhecimento do assunto.

Em seu livro, o senhor fala sobre as especialidades médicas. Existe uma superespecialização?

Existe. A formação médica sofreu um impacto com isso, pois os alunos já estão visando ao exercício profissional ainda na faculdade. Isso rompeu com a idéia de que deveria se formar um médico geral, com conhecimentos para atender às coisas mais comuns e que, depois, se quisesse, faria a residência para se especializar.

Como é o mercado de trabalho para o médico hoje?

A profissão médica praticamente não tem desemprego. Nas outras profissões, grande parte dos formandos não consegue atuar na área que escolheu. Na medicina, isso não acontece. O que existe é o desemprego dentro das especialidades. Ou seja, em algumas delas, formamos mais especialistas do que temos necessidade.

O clínico-geral e o médico de família perderam espaço com isso?

Claro. Quando você precisa de um médico para o atendimento básico da população ou para o Programa Saúde da Família (PSF) não encontra esse profissional. São os especialistas que, por várias razões, vão trabalhar nesses lugares e que precisam ser reciclados.

Por que isso acontece?

As universidades têm autonomia científica, didática, administrativa. Não existe controle e elas criam os cursos que querem. As tentativas de restrição têm sido vencidas.

Isso deveria ser competência do Ministério da Saúde?

Fiz parte, em 1986, da Comissão de Especialistas do Ensino Médico. Conseguimos um decreto interministerial fazendo com que a instalação dos cursos passasse pelo Conselho Nacional de Saúde para avaliar a necessidade social desse curso. Por isso, de 1986 até 1996, foram criadas duas ou três escolas de Medicina.

Por que isso não continuou?

O ministro Murilo Hingel (Educação) considerou que essa exigência não poderia prevalecer sobre o Conselho Nacional de Educação. Em 1996, quando o MEC permitiu a implantação da Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no Rio Grande do Sul, que o Conselho de Saúde impediu por anos, veio um número enorme de faculdades e hoje estamos com um problema que não tem tamanho.

Qual sua crítica a esses cursos?

Para ter uma escola de Medicina é necessário ter condições. Ou seja, tem de ter hospital, atendimento ambulatorial geral e especializado. Montar um curso de Medicina sem ter previamente essa estrutura, fazendo acordos com hospitais que não têm docentes e supervisão para treinar os alunos, é muito complicado. Ele sai da escola sem condições de atender.

Quais as conseqüências dessa má formação médica?
Se as escolas não formam adequadamente, depois que o profissional se gradua não há nenhuma forma de impedir que exerça a profissão, pois os Conselhos Regionais de Medicina funcionam como um cartório: o sujeito leva lá o diploma e recebe o registro para trabalhar.

O sr. é a favor de uma prova que restrinja a atuação do médico?

Sempre fui. Quando era do Conselho Regional de Medicina (de São Paulo) propus que se fizesse algo desse tipo para receber a carteira profissional. Porque quem libera na verdade o profissional para exercer a medicina é o conselho, não o diploma. Mas existe uma idéia generalizada no Brasil de que os conselhos não têm poder para impedir a entrega do registro.



Adib Jatene é cardiologista e ex-ministro da Saúde (nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso), formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), foi orientado pelo professor Zerbini; é o criador da Operação de Jatene, para tratamento de transposição de grandes artérias


Fonte: O Estado de S.Paulo

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