15/10/2007

Ambiente contaminado

As conseqüências do vício, os traumas e os males causados pelo alcoolismo não são sofridos apenas pelo próprio usuário. A família e, principalmente, os filhos são vítimas do sofrimento decorrente da bebida em excesso. A culpa, a vergonha e o medo são os principais caminhos que roubam dos adolescentes o direito de viverem suas próprias vidas.

Um estudo divulgado recentemente pela Universidade de Brasília (UnB), realizado pela psicóloga Eliana Vilar Trindade, comprova que os filhos de alcoólatras sentem culpa pelo vício dos pais e têm dificuldade no amadurecimento. Segundo Eliana, o principal objetivo da pesquisa é atuar na prevenção dessas crianças e adolescentes. "O álcool é consumido cada vez mais cedo.
Uma atuação precoce, com meninos e meninas que vivem esse drama dentro de casa, ainda muito jovens, pode ser uma maneira de compreender e poder ajudá-los", acredita.

Eliana explica que, para os adolescentes que convivem em um ambiente onde existe o alcoolismo, há um risco de alta transmissibilidade, ou seja, as chances de envolvimento dependente da bebida é quatro vezes maior, se comparado a adolescentes que não têm contato com a doença. "Geralmente, o ambiente onde existe um alcoólatra é cenário de violências físicas e verbais, de pouco contato e convívio familiar", analisa a especialista.

Grupo de ajuda

Durante o período de um ano, o estudo foi realizado com seis adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos, moradores da cidade de Sobradinho. Eliana trabalhou com grupos de ajuda a alcoólatras durante 14 anos e pôde perceber que os adolescentes acompanhantes dos seus responsáveis se sentiam muito desconfortáveis nas instituições de tratamento. "Os jovens passam por um sofrimento muito grande, principalmente porque estão em uma fase sensível da vida", afirma.

Por meio de entrevistas e acompanhamento, a psicóloga aponta o tipo de culpa que esses adolescentes carregam pela doença dos pais. "Os meninos adquirem medo do futuro e do fracasso. Já as meninas têm reações comportamentais. Elas sentem medo de se relacionar com o sexo oposto ou, algumas vezes, buscam no parceiro uma relação doentia, também envolvida com o álcool", compara.



Marcas profundas pelo resto da vida

Para a pesquisadora, o adolescente pode reagir de várias formas para conviver com um alcoólatra dentro de casa. Alguns podem tomar aversão à bebida, outros, ter a auto-estima baixa e problemas de relacionamento com o sexo oposto. "São marcas duras, que eles vão carregar o resto da vida. A maneira como o adolescente lida com esses fatores será determinante para sua formação adulta", afirma Eliana.

Pressionados pelo preconceito, eles carregam quase sempre sozinhos a desestrutura familiar. Em alguns casos, o adolescente pode se responsabilizar pelo problema e, também, sofrer por tratar o assunto como um segredo. Segundo o estudo, um dos grandes sofrimentos desse adolescentes é não poder falar sobre o assunto. "É muito difícil que eles se abram, contem o que se passa a alguém. O medo do julgamento e das críticas quase sempre é maior do que a coragem", mostra a especialista.

Arthur*, de 12 anos, enfrenta este problema. No fim do dia, o pai dele sempre chega em casa embriagado. Segurando nos móveis que encontra pelo caminho, ele tenta se manter de pé. A mãe Júlia*, tenta ampará-lo, em vão. João* empurra a mulher contra a parede, por várias vezes, até machucá-la. Assustado, Arthur se sente impotente diante do que vê. A cena é diária e comum a inúmeros lares brasileiros. Arthur confessa não entender porque uma situação, que parece insustentável, ainda assim é mantida. "Meu pai bebe, destrata minha mãe e não larga dela", indaga.

O pai é marceneiro e a mãe, doméstica. A família faz tratamento em um centro de recuperação, em Sobradinho. É onde Arthur encontra forças para não desistir de um futuro melhor. "Vou casar, ter filhos e ser feliz com minha mulher".

Pai alcoólatra

A infância de Rose* também foi deixada para trás. O álcool roubou o lugar das bonecas e brincadeiras. Com apenas 14 anos, ela deixa de viver sua própria vida para cuidar do pai alcoólatra. A admiração que tem pela mãe, Maria*, doméstica, é o que faz Rose continuar a acreditar na cura do pai Sebastião*, que trabalha como pedreiro. "Minha vida é concentrada no meu pai. Para preservar minha mãe, fico vigiando ele, para que não beba", diz. O estigma da imagem paterna negativa é outro desafio vivido pela adolescente. "Eu sempre preferi minha mãe do que meu pai. Ela sempre foi batalhadora, carinhosa", compara Rose.

*Os nomes são fictícios


Uso comum e prejudicial



Do uso social ao problemático, o álcool é a droga mais consumida no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2004, aproximadamente 2 bilhões de pessoas consumiam bebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para a diminuição da saúde mundial, sendo responsável por 3,2% de todas as mortes anuais e por 4% dos anos perdidos de vida útil e saudável.

O I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), em 2004, revela que entre todas as substâncias psicotrópicas avaliadas, o álcool apresentou a menor média de início de consumo, a partir dos 12 anos de idade. Das 661 pessoas, entre 14 e 17 anos, entrevistadas, 54,3% consumiam álcool.

Segundo a Secretaria de Saúde, cerca de 14% dos brasilienses sofrem com problemas ligados ao álcool. De acordo com a psicóloga, o sistema é falho e inúmeros profissionais não encaram o alcoolismo como doença. "A pesquisa mostrou que pouco tem sido feito por esses adolescentes. Tanto a saúde pública quanto os profissionais ainda não estão preparados para lidar com a questão, e quem paga o preço são os jovens", denuncia.


Fonte: Jornal de Brasília

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