As mídias sociais, o médico e os limites éticos

Thadeu Brenny Filho

A Resolução CFM nº 1974/2011, com algumas alterações pontuais, estabelece os critérios norteadores da propaganda em Medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes à matéria. A publicidade médica deve obedecer exclusivamente a princípios éticos de orientação educativa, não sendo comparável à publicidade de produtos e práticas meramente comerciais e imbuída no Código de Ética Médica no capítulo XIII. E é pré-requisito para o estabelecimento de regras éticas de concorrência entre médicos, serviços, clínicas, hospitais e demais empresas registradas nos Conselhos Regionais de Medicina. A letra “f” do artigo 9º indica ser vedado ao médico usar de forma abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que possam induzir a promessas de resultados. E é a mais danificada norma quando acessamos dados médicos nas mídias sociais.

É exigido do médico constar em todas as suas peças publicitárias (e isso inclui as chamadas mídias sociais): nome completo do médico no cargo de diretor técnico médico; registro do profissional junto ao CRM, contemplando a numeração e o estado relativo; nome do cargo para o qual o médico está oficialmente investido; e o número de registro de qualificação de especialista (RQE), se o for. Caso não detenha especialidade registrada ou reconhecidamente oficial, denominar-se “médico”.

A participação do médico na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deve se pautar pelo caráter exclusivo de esclarecimento e educação da sociedade, não cabendo ao mesmo agir de forma a estimular o sensacionalismo, a autopromoção ou a promoção de outro(s), sempre assegurando a divulgação de conteúdo cientificamente comprovado, válido, pertinente e de interesse público. Nessa condição, enquanto propagador de informação, lhe é vedado divulgar endereço e telefone de consultório, clínica ou serviço, bem como, entre outras recomendações, garantir, prometer ou insinuar bons resultados de tratamento, pois, caso não os obtenha, torna-se um “tiro em seu próprio pé”, criando situação indefensável.

A Resolução CFM nº 2.126/2015 veio em complemento à norma anterior, dando nova redação ao artigo 13, que em seu parágrafo 1º estabelece como mídias sociais os sites, blogs, Facebook, Twiter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares. O parágrafo seguinte diz ser vedada a publicação nas mídias sociais de autorretrato (selfie), imagens e/ou áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal, enquanto o 3º restringe ao médico e aos estabelecimentos de assistência médica a publicação de imagens do “antes e depois” de procedimentos, conforme já previsto na alínea “g” do artigo 3º da Resolução 1.974. Esta matéria, aliás, foi objeto de embate jurídico no âmbito do Distrito Federal, com firma e pronta intervenção do CFM pela normatização ética extensiva a todos os médicos.

Convém reafirmar o risco da promessa de resultados. Em caso de mau resultado, a prova estará ali estampada. É o que visa o CFM em seus Conselhos Regionais: normatizar e orientar aos médicos a não produzir material publicitário inadequado e que possa ser questionado em embates jurídicos.

É de se ressaltar as correções à magna Resolução sobre publicidade médica publicada em agosto de 2011, nos limiares da criação de uma das maiores ferramentas de comunicação de nossa época, o WhatsApp. Foi criado por Brian Acton e Jan Koum, em meados de 2009 (a Resolução sobre Telemedicina ainda vigente é de 2003, portanto antes dos Appleswatch, em 2015, com ECG integrado a um email ao seu cardiologista, e isso, a grosso modo é telemedicina), como uma alternativa para as mensagens via SMS e também para saber se as pessoas estavam disponíveis naquele momento para atender a uma ligação telefônica. Koum decidiu nomear o app de “WhatsApp” porque relembrava a gíria “What'sup?” (algo semelhante a "e aí?" ou "o que está rolando?", em português).

O aplicativo se consagrou em todo o mundo como uma das plataformas de comunicação mais populares entre os usuários. Em fevereiro de 2014, o WhatsApp foi comprado pelo Facebook, mas continua operando como um app independente. Focado em sua missão de “possibilitar que as pessoas se comuniquem sem barreiras em qualquer lugar do mundo”, o WhatsApp tem, atualmente, mais de 1 bilhão de usuários e está presente em mais de 180 países. Ainda de acordo com a companhia, todos os dias são enviados 55 bilhões de mensagens, 4,5 bilhões de fotos e 1 bilhão de vídeos através do app. Hoje, 96% dos brasileiros com acesso a um smartphone usam o WhatsApp como seu principal método de comunicação[1]. O aplicativo também vem se tornando uma ferramenta política importante nos últimos anos, principalmente com a propagação em massa de informações e até notícias falsas.

A interação fácil e rápida possibilitada pelo aplicativo, popularizada nos mais diversos segmentos e com os mais variados propósitos, alcançou também o campo da consulta médica, colocando o próprio conceito de atendimento em jogo. O Conselho Federal de Medicina (CFM) sensível às mudanças de comportamento em comunicação e rapidez, finalmente liberou um parecer formal sobre o tema. Publicado em abril de 2017, o posicionamento do Conselho é favorável ao uso de WhatsApp tanto para o contato entre médico e paciente quanto para a interação entre os próprios médicos, mas também estabelece algumas restrições importantes acerca dessa utilização[2].

O Parecer CFM 14/2017 reza que: “É permitido o uso de WhatsApp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas, bem como em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem tampouco podem circular em grupos recreativos, mesmo que compostos apenas por médicos.”

Se, nessas discussões, for necessário o uso de imagens que possivelmente identifiquem o paciente, o CFM estabelece a obrigatoriedade de cumprir as normas da Resolução CFM 1.974/2011, ou seja, o referido Manual de Publicidade Médica. Todo o uso de imagem deve enfatizar apenas a assistência.

Deste modo, fica vetada a apresentação abusiva, assustadora, enganosa ou sedutora do corpo humano que sofreu alterações de lesões, doenças e tratamentos/procedimentos. A autopromoção, o teor sensacionalista e de exclusividade já o são vetados pela mesma norma, mas não custa lembrá-las válidas também para as redes sociais, das quais se criam com elas valorizações de currículos profissionais, muitas vezes sem sustentação ética. E para qualquer profissão que delas se utilizem.

Na interação com o paciente via WhatsApp, o parecer do CFM é claro ao afirmar que “todos os regramentos dizem respeito a não substituir as consultas presenciais e aquelas para complementação diagnóstica ou evolutiva a critério do médico pela troca de informações a distância”.

Vale notar que essa proibição está em voga desde 1942, com o Decreto-Lei nº 4.113. O documento, inclusive, antecipa as possíveis tecnologias por vir, afirmando que a regra abrange “qualquer meio que venha a ser descoberto a posteriori”.

Observadas as regras de não diagnosticar, não prescrever terapias e não substituir a consulta médica por conversas remotas, o CFM considera como uso saudável do app elucidar dúvidas, tratar de aspectos evolutivos e passar orientações ou prevenções de caráter emergencial ao paciente que já está recebendo assistência. E a melhor resposta final ao nosso paciente ou familiar aflito: vá a uma unidade médica de emergência ou agende, se possível, uma consulta médica.

Da mesma fonte, a grande adesão dos médicos brasileiros ao app é muitas vezes explicada pela facilidade de interação do aplicativo (que não exige resposta imediata, como é o caso do telefone) e pelo desejo de manter a disponibilidade para o paciente, incrementando a qualidade do atendimento (principalmente em especialidades como pediatria, obstetrícia e cardiologia). A possibilidade de diálogo fácil e veloz com colegas de profissão, para tirar dúvidas, debater casos específicos e definir os melhores métodos de tratamento também entra na conta como saldo positivo. Seu uso, entretanto, não é unanimidade na classe médica. É comum acreditar que a prática, muitas vezes, induz ao erro (a lesão de um paciente vista na tela do celular, por exemplo, pode passar por inofensiva e não o ser).

Existe, ainda, a questão da relação presencial e seu caráter insubstituível. A falta de limite no horário de envio e no volume das mensagens é outro aspecto frequentemente apontado como ônus da prática médica via WhatsApp. Manter-se disponível é mesmo uma escolha individual, relacionada ao perfil de cada médico; seria estar em constante e eterno plantão a distância. Mas atenção: não responder uma mensagem pelo aplicativo, já que o disponibilizou ao seu paciente, pode caracterizar-se omissão ou negligência!

Essa falta de cuidado dos médicos com informações transmitidas, principalmente as dos pacientes, também se tornou fonte de discussão em estudo do Centro Médico da Universidade Americana de Beirute, no qual a maioria dos participantes (78,6%) acreditava que a comunicação virtual pode resultar em problemas médico-legais, e 71% a considerava violação de privacidade[3]. Essa questão e de tantas outras contribuem para estimular debates sobre o adequado uso e aproveitamento do WhatsApp, sem abusos por ambas partes envolvidas, de onde nele se criam verdadeiros especialistas em termos médicos específicos, estimulam reputações profissionais e sem muitas vezes o serem verdadeiramente especialistas qualificados na experiência do tempo, do conhecimento olho no olho com o seu paciente e devidamente qualificado em seu Conselho de classe.

Continuam abertas as discussões, agora em tempo de atualização da norma de publicidade médica!

*Thadeu Brenny Filho é conselheiro do CRM-PR e membro da CODAME.

**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

N.A. Referências:

[1] https://www.techtudo.com.br/listas/2019/01/quem-inventou-o-whatsapp-veja-oito-curiosidades-sobre-a-historia-do-app.ghtml

[2] https://blog.imedicina.com.br/whatsapp-e-pratica-medica/ 

[3] http://www.scielo.br/pdf/bioet/v26n3/1983-8042-bioet-26-03-0412.pdf

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