Atendimento pediátrico no Brasil: consultório ou pronto-socorro?

Mário Roberto Hirschheimer

No Brasil, o pronto-socorro, idealizado para casos de urgência e emergência, se tornou a primeira opção dos pais quando o assunto é a saúde de seus filhos, mesmo que para problemas corriqueiros. Esse hábito, ancorado no mito da resolutividade do serviço, tem como consequência o não agendamento de consultas pediátricas periódicas, o que pode comprometer seriamente o desenvolvimento e bem-estar infantil.

A comodidade do atendimento imediato, sem marcação de horário, cria a ilusão de problema resolvido. Afinal, o médico já pede os exames, faz o diagnóstico e indica o tratamento. No entanto, na verdade, a Pediatria não é uma atividade tão simples assim.

Quando a criança vai ao pronto-socorro, o médico que realiza o atendimento está atento ao problema que a trouxe até a unidade. Portanto, é como apagar um incêndio. Já quando há um agendamento adequado com o pediatra, no qual se acompanha o crescimento e o desenvolvimento e são dadas orientações à família sobre os cuidados que a criança requer, como alimentação e hábitos saudáveis, muitas enfermidades podem ser prevenidas. Afinal, cuidar é muito mais do que só tratar.

Também é importante dizer que, mesmo depois de ser atendida no serviço de emergência, ainda assim existe a necessidade de marcar uma consulta com o pediatra. É no consultório que se dará seguimento ao tratamento iniciado no pronto-socorro, evitando futuras complicações e promovendo a saúde.

Por outro lado, a superlotação dos serviços de urgência e emergência para o atendimento infantil, além de se tratar de uma ocorrência ruim, motivada pela crença popular de que rapidez significa eficácia, evidencia outro problema: a falta de pediatras no Brasil. A dificuldade de agendar uma consulta com estes especialistas é mais um motivo para que os pais prefiram o pronto-socorro e para que estes fiquem sobrecarregados.

Como presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e pediatra em exercício desde 1976, posso dizer com segurança que o maior motivo para essa carência é a desvalorização profissional promovida tanto pelos planos de saúde. Diferentemente de outras especialidades médicas, que têm a possibilidade de realizar exames ou procedimentos, a única fonte de renda do pediatra no Brasil é a remuneração pela consulta ou por plantões.

Atualmente, o valor pago por consulta em Pediatria na rede de saúde suplementar beira R$70,00 brutos. Descontados impostos, despesas com estrutura e pessoal, não sobra mais do que R$ 6 por consulta, conforme atesta recente levantamento da Associação Paulista de Medicina. Simultaneamente, os salários pagos na rede pública para um médico é muito inferior ao pago para profissionais de nível superior de outras áreas, como o judiciário, por exemplo. Para conseguir ter uma vida digna, que proporcione conforto para sua família, considerando ainda os investimentos com material e a imprescindível atualização científica, o pediatra precisa submeter-se a uma rotina com uma carga horária brutal de trabalho.

Essa condição tem afastado os estudantes de Medicina da especialidade. No decorrer da década de 90, a procura pela especialização em Pediatria por parte dos acadêmicos de medicina que se formavam aumentou 67%. Se compararmos os números de 1999 com os de 2013, houve queda de 45% dos candidatos ao título de especialista em Pediatria, mesmo com o grande aumento do número de escolas médicas.

Nossas crianças estão em risco! É preciso que o pediatra seja mais valorizado. Isso depende de uma mudança de atitude por parte da população, que deve priorizar as consultas pediátricas periódicas ao invés do atendimento emergencial. Depende também das entidades médicas, dos gestores de planos de saúde e das autoridades públicas traçarem estratégias comuns que visem motivar maior número de acadêmicos de Medicina a optarem pela Pediatria como especialidade, oferecendo-lhes uma carreira profissional tão promissora quanto a de muitas outras especialidades médicas, e motivar os pediatras a atenderem em consultórios para realizarem o principal objetivo da Pediatria, que é orientar a criação de cidadãos saudáveis capazes de construir uma sociedade melhor.

Artigo escrito por Mário Roberto Hirschheimer, presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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