26/04/2007

Auto hemoterapia: O alerta dos médicos


Uma prática duvidosa vem sendo adotada por portadores de diferentes doenças em todo o país: o transporte de sangue do próprio paciente de uma veia para um músculo, como forma de aumentar as defesas do organismo. Os médicos avisam que, além de não haver comprovação científica, o procedimento envolve riscos à saúde.

A auto hemoterapia vem sendo estimulada por um vídeo caseiro, produzido em 2004, no qual um clínico geral identificado como Luiz Moura relata casos das mais diversas doenças que a prática teria curado, da acne ao câncer. O DVD estaria circulando com rapidez no Rio Grande do Sul.

Apesar de conhecida há anos, a auto hemoterapia nunca foi comprovada em pesquisas. Por isso, é condenada por órgãos ligados à saúde. Especialistas recomendam que os pacientes continuem se tratando da maneira tradicional e não se submetam ao método.

O princípio básico da teoria do médico, com consultório no Rio, prega que, em contato com o músculo sadio, o sangue seria reconhecido como um corpo estranho. Com isso, o organismo aumentaria a produção das células de defesa, combatendo também outras enfermidades. "O sangue no músculo é como um corpo estranho a ser rejeitado. Isso resulta em um estímulo imunológico poderosíssimo", diz Moura no DVD.

Não há estudo que comprove essa reação. A hematologista Lucia Silla, chefe do Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora da UFRGS, afirma que essa reação não ocorre. Dos cinco tipos de células que compõem o sistema imunológico, só duas participam da absorção do hematoma: monócitos e neutrófilos. Elas não têm capacidade de curar doenças. As células mais especializadas, os linfócitos, não seriam acionadas.

A célula que reage ali é menos especial, com ação local. Na hipótese disso (o tratamento) estimular o sistema imunológico, como vou direcioná lo para o que quero? Se fosse assim, uma vacina para a gripe resolveria o câncer avisa Lucia.

A presidente da Sociedade Gaúcha de Hematologia e Hemoterapia, Ines Guterres, vai além:
Isso não funciona. É picaretagem. As doenças crônicas são ideais para esse tipo de golpe, porque as pessoas estão desesperadas.

Contaminação do sangue entre a retirada e a reaplicação é um dos principais riscos. Por não ser um procedimento regulamentado e, em geral, feito em locais inadequados, os perigos são maiores.

Uma assepsia insuficiente permite que germes da superfície da pele penetrem o interior do corpo. Lavar as mãos e higienizar os locais de coleta e aplicação não seriam satisfatórios.

Quando se tira a agulha da veia, expõe o sangue ao ambiente. Em exame ou doação, se coleta a vácuo, não há risco de contaminar explica o primeiro secretário do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers), Fernando Weber Matos.

Luiz Moura será objeto de um processo ético profissional no conselho do Rio e corre o risco de ter o diploma cassado. O clínico geral foi procurado por Zero Hora mas não respondeu ao pedido de entrevista. Profissionais de saúde que adotam ou indicam a prática no Estado se recusaram a conceder depoimentos, mesmo sem serem identificados.


A posição oficial

O que dizem entidades ligadas à saúde


Conselho Federal de Medicina:

É contra, por falta de comprovação científica da eficácia. Médicos denunciados por realizar auto hemoterapia podem ter o diploma cassado.


Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers):

Condena a auto hemoterapia e abre um processo ético profissional contra médicos que a adotem. Não reconhece nenhum fundamento científico na prática e alerta para os riscos do procedimento.


Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia:

Não reconhece a auto hemoterapia. Afirma não existir na literatura médica, tanto nacional quanto internacional, qualquer estudo com evidências científicas sobre o tema. Informa que são desconhecidos os possíveis efeitos colaterais, podendo colocar em risco a saúde dos pacientes.


Conselho Federal de Enfermagem:

Não recomenda a prática por profissionais. É um tratamento médico para o qual não há consenso técnico e científico nem aprovação dos conselhos profissionais da área saúde, em relação aos seus possíveis efeitos benéficos.


Sociedade Gaúcha de Hematologia e Hemoterapia:

Não acredita na prática, por não haver evidências científicas. Entende que o único efeito possível no tratamento seria psicológico. Alerta para as más conseqüências do procedimento.


Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas de Porto Alegre:

Não reconhece nenhum fundamento no tratamento, por falta de pesquisas que comprovem sua eficácia.


Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa):

Informa que faltam evidências científicas sobre a eficácia e a segurança do procedimento. Sua prática pode causar reações adversas, imediatas ou tardias, de gravidade imprevisível.

Informações e denúncias:

Cremers: 0800 5417544

Disque Vigilância: 150

Quem defende

Testemunho

Em DVD caseiro, datado de 2004, o clínico geral Luiz Moura (foto) relata casos de doenças curadas graças ao uso da auto hemoterapia.

Sugestão do leitor

O tema desta reportagem foi sugerido por diversos leitores a partir de texto publicado no caderno Vida do último sábado, dia 21. Sugestões podem ser enviadas por carta (Avenida Ipiranga, 1.075 CEP 90.169 900, Porto Alegre), fax (51) 3218 4799, e mail ( leitor@zerohora.com.br ) ou telefones (51) 3218 4333 e (51) 3218 4334, das 9h às 18h. Forneça nome, profissão, endereço, telefone e número da carteira de identidade.


Fonte: jornal Zero Hora (RS)

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