Autonomia e aposentadoria, uma rima nem sempre fácil

Carlos Augusto Sperandio Junior

O envelhecimento populacional universal está trazendo impactos em todos os níveis da sociedade humana. Dentro da medicina, colhemos os frutos que plantamos e cuidamos: nós, médicos, estamos vivendo mais e melhor, aumentando nossos anos de vida cronológica e, para alguns - por dedicação, prazer ou necessidade - o tempo de permanência no trabalho. Mas, o que fazer quando vemos em uma função que exige habilidade um colega que não mais a tem? Estaríamos percorrendo o famigerado caminho do idadismo (preconceito contra a pessoa idosa) ao questionarmos habilidades de colegas com idade avançada e que ainda continuam praticando seu exercício profissional?Este tema abordado com parcimônia poderá contribuir para a segurança de pacientes e profissionais. Temos argumentos de todos os lados, o que invariavelmente faz com que acabemos por concluir que só progrediremos com o assunto se nos pautarmos no bom-senso.

Inegável o benefício da manutenção do profissional médico dentro de suas rodas profissionais, pois o mantém ativo, estimula suas redes neuronais e sociais, além de permitir que exerça seu papel na comunidade. O médico constitui ferramenta terapêutica importante na estrutura de saúde e, quando acumula anos de prática, torna-se forte referência para seus pacientes e a todos à sua volta. Qualquer movimento de aposentadoria compulsória por idade é simplesmente uma aberração e jamais será endossado pelos estudiosos do envelhecimento.

Por outro lado, há dentro da medicina áreas de atuação intervencionista, que requerem habilidades motoras e cognitivas específicas. Determinar qual o limite da segurança para o paciente muitas vezes pode conflitar os interesses pessoais do próprio médico. A especialidade Medicina do Tráfego, desenvolvida para promover a segurança no deslocamento de pessoas, exemplifica a necessidade de regulamentação das atividades humanas que envolvem riscos à vida. Não seria o caso de termos algo semelhante para médicos com disfuncionalidade que continuam clinicando e operando em funções literalmente vitais?

Este é um escopo que merece atenção dos Conselhos de Medicina. Avaliações por pares capacitados seriam um caminho; quando, como e por quem, se compulsórias ou voluntárias, se exigência ou boa prática, somente a própria sociedade que envelhece é quem poderá nos dizer

Não podemos ter perda de vidas por negligência corporativista, assim como não devemos nunca cercear os colegas de atuarem estando com funcionalidade plena em qualquer idade. Necessitamos avançar nossas discussões. Uma ideia seria a criação de programas de avaliação por pares e recolocação com aproveitamento de experiências para aqueles com dificuldade em se manter aptos para as funções mais complexas. Afinal, é assim que os idosos nas nações mais desenvolvidas são tratados, com respeito aos mais vividos, tornando-os peça fundamental da engrenagem social, demonstrando o nível de maturidade social dos seus cidadãos.

Pensar no amanhã do doutor jovem ativo deveria começar no hoje do colega já idoso e tão ativo quanto: estamos sabendo lidar com nossos médicos no final da carreira?

*Carlos Augusto Sperandio Junior é especialista em Clínica Médica, Geriatria e Medicina da Família e Comunidade. Integra a Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do CRM-PR.

**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

 

Envie para seus amigos

Verifique os campos abaixo.
    * campos obrigatórios

    Comunicar Erro

    Verifique os campos abaixo.

    * campos obrigatórios