12/11/2007

Bioética, o poder de decidir sobre questões controversas

Quais são os impactos no meio ambiente da exploração de determinado recurso natural? Até que ponto uma indústria pode utilizar seres humanos como cobaias em seus testes? Qual é o momento de se desligar os aparelhos que sustentam a vida de alguém em estado vegetativo? Numa época em que questões como clonagem, aborto, transgênicos, distanásia, eutanásia e pesquisa em animais e seres vivos estão cada vez mais presentes no cotidiano dos executivos e das corporações, um novo tipo de profissional começa a se destacar no mercado.

Os bioéticos (ou bioeticistas) são os responsáveis pela tomada de decisões diante de dilemas éticos extremamente relevantes no cotidiano das empresas e dos governos. Executivos e especialistas com formação multidisciplinar, precisam conhecer as leis, diretrizes e resoluções de todos os âmbitos, tornando-se aptos a opinar e deliberar sobre os temas nos quais a ética se inter-relaciona com as ciências da vida, da saúde e do meio ambiente. "À medida que a ciência vai avançando, surgem novos dilemas éticos e é preciso preparo para decidir diante dessas situações", explica o professor William Saad Hossne.

Presidente da Comissão Nacional de Bioética e Pesquisa (Conep) e membro do Comitê Internacional de Bioética da Organização para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) - ligada à Organização das Nações Unidas -, Hossne diz que o exercício da função baseia-se em quatro pilares: a liberdade para decidir conforme seus valores, o não-preconceito, a humildade para respeitar as opiniões do outro e a revisão contínua das próprias posições.

O professor menciona como modelo as discussões sobre um tema controverso: o aborto. "Do ponto de vista moral e legal, é crime, a menos que a gravidez seja fruto de estupro ou ofereça riscos à mãe. Mas, do ponto de vista ético, não se pode impedir que cada um faça seu exercício de valor, com a devida responsabilidade", exemplifica Hossne.

Embora este exemplo, em particular, seja mais intimamente ligado às áreas médica e legal, os executivos de empresas de vários setores são cada vez mais expostos a dilemas éticos equivalentes. Algumas áreas onde o exercício da bioética é fundamental na tomada de decisões bioéticas são as indústrias bélica, farmacêutica e de alimentos, a agricultura, a pecuária, os segmentos ligados a pesquisa e desenvolvimento em geral e as áreas de planejamento governamental.

Não há um perfil específico para o profissional de bioética. Graduados em todas as áreas do conhecimento, especialmente os que atuam em posições onde a ética interage com a vida, a saúde e o meio ambiente, podem se tornar bioeticistas. Hoje, profissionais com perfil executivo (engenheiros, advogados e administradores, entre outros) engrossam as fileiras de interessados no tema, junto comunicadores, nutricionistas e até filósofos.

Tamanha variedade de perfis torna os comitês de bioética grupos extremamente heterogêneos, o que resulta em decisões ponderadas, tomadas com base em um amplo universo de pontos de vista. "Não conheço um curso que tenha gente de tantas áreas distintas. Essa relação com pessoas de diferentes áreas traz uma visão ampla sobre os vários temas. O conceito de 'dignidade humana', por exemplo, é visto de formas diferentes por um advogado e por um filósofo", comenta o administrador de empresas Walter José da Silva Júnior, estudante do mestrado de Bioética do Centro Universitário São Camilo, em, São Paulo.

Funcionário de uma assessoria tributária, Júnior diz que, embora aparentemente a área onde atua não tenha implicações bioéticas imediatas, sempre é possível contribuir na tomada de decisões por parte de seus clientes. "Quanto mais você se aprofunda em questões desta natureza, mais está apto a aplicar esses conhecimentos. Dessa forma, você é chamado a contribuir e opinar sobre essas questões nas companhias", diz.



Área de saúde requer uma visão abrangente

Desde os seus tempos de estagiária na área de direito, a hoje advogada Ângela Tuccio Teixeira, se interessa pelo tema bioética. A principal razão é óbvia: atuava, já na época, na área de saúde, onde as questões éticas e da vida se cruzam com freqüência.

Hoje, Ângela é assessora jurídica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). "Convivemos com questões como de que forma atender o paciente que não tem mais proposta terapêutica, ou seja, não tem cura, visando garantir-lhe uma melhor qualidade de vida (pré-morte), com menos dor e em casa, se possível", esclarece a advogada.
Segundo ela, um dos aspectos interessantes da bioética é o caráter interdisciplinar que as decisões precisam ter. "Uma decisão exige uma análise ampla, de um todo. Envolve todos os lados que, de alguma forma, possam estar envolvidos. Não se pode decidir com base em um ponto de vista só. Por isso, você ganha uma visão mais abrangente."
Ângela é aluna do mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo. No Brasil, a instituição é a única a ter o seu curso de mestrado reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação.

No exterior, alguns dos principais cursos de Bioética estão disponíveis nos Estados Unidos. O Instituto de Ética Kennedy, da Universidade Georgetown, possui um dos melhores cursos sobre e especialidade no planeta.


Fonte: Gazeta Mercantil

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