Brasil e suas escolas médicas

"Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer". Moliére





Certa vez, lá pelos idos de 1989, em meio a um movimento reivindicatório da categoria médica baiana, o governador do Estado, ao ser abordado pela imprensa local, indagando dele o que faria se os médicos entrassem em greve ou pedissem demissão coletiva, teria dito, com certa dose de ironia e desprezo: "Para mim, médico é como sal; branco, barato e encontro em todo o lugar".


Da mesma forma, na década de 60, quando os médicos, que não eram tantos como hoje, resistiam a trabalhar por preço vil, um ministro de Estado teria dito: "Providenciaremos a formação rápida e efetiva de tantos deles que, logo, todos virão de joelhos procurar trabalho a qualquer preço".


E isso parece ter se consumado. O Brasil acaba de alcançar um número recorde de escolas médicas. Com 149 cursos de medicina ultrapassou os EUA, perdendo apenas para a China com 150 escolas de medicina. Somente neste início de século foram criados 54 novos cursos de medicina, quase um por mês, elevando o número de vagas nos vestibulares para 13.153.


As causas dessa avalanche estão na LDB, de 20/12/96, e no Decreto 2.306, de 19/08/97, que proporcionaram condições extremamente liberais para que Estados e municípios pudessem decidir livremente sobre a criação de escolas de medicina e outras na área da saúde. A competência da União, fixada no Artigo 10, inciso IX da LDB, foi limitada exclusivamente ao sistema federal de Ensino Superior.


Ainda mais, uma sutil alteração feita pelo Decreto 1.302, de 8 de novembro de 1994, no apagar das luzes do governo Itamar Franco, tirou do Conselho Nacional de Saúde a prerrogativa de julgar a necessidade social dos cursos da área de saúde e emitir parecer vetando ou não novas escolas de medicina. Hoje, o ministro da Educação tem praticamente o poder total e, independente de qualquer posição que o CNS venha tomar, poderá aprova-las em caráter irrevogável e definitivo.


Por outro lado, um levantamento estatístico demonstrou que a maioria dos cursos recém-criados o foi por decisão interna dos Conselhos das Universidades particulares. Dos 149 cursos de medicina, 81 são do setor privado (54,36%). Isso prova que o poder político e econômico fala mais alto que a necessidade social desses cursos.


Nosso entendimento leva a dizer que o Brasil não necessita de mais escolas médicas, e sim de melhores escolas; não precisa de mais médicos, e sim de médicos bem preparados e qualificados.


O que não se pode permitir é que interesses políticos ou econômicos transformem os que integram uma profissão tão digna quanto sublime, em mercadoria ou máquinas... muito menos em sal.



Envie para seus amigos

Verifique os campos abaixo.
    * campos obrigatórios

    Comunicar Erro

    Verifique os campos abaixo.

    * campos obrigatórios