18/08/2006

Carta de Curitiba ratifica propostas contidas na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos

Documento defende que legislações futuras observem preceitos contidos na Declaração da Unesco e que seja estimulado o ensino da bioética em todos os níveis educacionais


Simpósio internacional realizado em Curitiba nesta quinta e sexta-feira (17 e 18), com a participação de alguns dos mais destacados bioeticistas do País, instaurou de forma definitiva o processo de estudos e debates visando o ajuste à realidade brasileira das normativas presentes na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco. Na Carta de Curitiba, a ser entregue aos governantes, uma das principais reivindicações é que as legislações futuras elaboradas no Brasil, cujos conteúdos guardem relação com a bioética, observem os proceitos contidos na Declaração. Neste contexto, encaixa-se o projeto em tramitação no Congresso, desde outubro passado, que propõe a criação do Conselho Nacional de Bioética, visto como instrumento de fundamental importância na formulação ou adequação de leis que dizem respeito à proteção da vida, às liberdades fundamentais e à dignidade humana.

Coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília e presidente do Conselho Diretor da RedBioética/Unesco, o Prof. Dr. Volnei Garrafa diz que o conteúdo da Declaração precisa ser amadurecido para que os desdobramentos cheguem de fato à população, o que tende a ocorrer a médio e longo prazos. De acordo com ele, o Brasil é um dos países mais avançados no debate da bioética, mas que ainda engatinha na regulamentação de leis, citando como exemplo a demora no trato de da questão da ética em pesquisa. O bioeticista denunciou interferências externas para que o Brasil tenha duplo padrão de pesquisas, o que considera inaceitável pela visível discriminação aos direitos humanos. Embora sem constar de forma específica no documento extraído do encontro, a legalização da ética em pesquisa foi reivindicada como instrumento de capaz de inibir ações inescrupulosas ou antiéticas.

A Declaração Universal, aprovada há menos de um ano pelos 191 países-membros da Unesco, trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta aspectos sociais, legais e ambientais. Volnei Garrafa cita o artigo 14 da Declaração (que tem 28 artigos), que trata da responsabilidade social e saúde, como importantes objetivos a serem buscados por governos e setores da sociedade, por negarem exclusões e defenderem a excelência na promoção da saúde e desenvolvimento social, incluindo a melhoria das condições de vida e do meio ambiente. Ele elogiou o SUS como modelo de inclusão social no País e cobrou mais investimentos dos governos para que os preceitos de igualdade, justiça e eqüidade sejam alcançados.


Temas em destaque

O simpósio em Curitiba, realizado na sede do Conselho de Medicina do Paraná, foi uma iniciativa conjunta com a Sociedade Brasileira de Bioética, Unesco e RedBioética/Unesco. Dentre os conferencistas internacionais, destaque para a Dra. Alya Saada, coordenadora da Unesco/México e do Comitê de Ciência para a América Latina e Caribe; o Dr. Juan Carlos Tealdi, presidente da Associação de Bioética e Direitos Humanos da Argentina (Biosur); e Dra. Suzana Vidal, da RedBioética da Argentina e coordenadora do programa de educação a distância em bioética da Unesco. Dos palestrantes brasileiros, além do Prof. Volnei Garrafa, destaque para os Drs. José Eduardo de Siqueira, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética; Gabriel Oselka, da USP; Roque Jungues, da Unisinos; Reinaldo Ayer de Oliveira, presidente da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp; Gerson Zafalon, do CFM; e Dirceu Greco, da UFMG, entre outros.

Códigos de ética e avanços morais, comitês de ética e bioética, vulnerabilidade humana e de meio ambiente, consentimento de pessoas com autonomia reduzida e proteção do meio ambiente, bioesfera e biodiversidade estiveram entre os temas em destaque, assim como o histórico de declarações, convenções e diretrizes internacionais que congregam direitos humanos a avanços técnico-científicos, como a Declaração Universal sobre o Genoma Humano. Foram cerca de 270 os participantes inscritos, sendo que os médicos recebem pontuação para o processo de recertificação de especialidade (4,5 pontos).

Hélcio Bertolozzi Soares, presidente do CRM-PR e coordenador do evento ao lado do Prof. José Eduardo de Siqueira, destacou o elevado nível das palestras e debates, bem como a importância que os mesmos representam no processo visando a implementação de medidas que favoreçam a concretização dos objetivos da Declaração. O presidente do Conselho do Paraná, que conduziu as cerimônia de abertura e encerramento do simpósio, também enalteceu a participação de representantes de vários Conselhos Regionais de Medicina, entendendo que eles terão a missão, a partir de agora, de fomentar as discussões em torno da propostas da Declaração Universal. Gerson Zafalon Martins, por sua vez, assinalou que o Conselho Federal de Medicina está atento aos princípios contidos na Declaração da Unesco para edição de suas resoluções, citando o texto em atual em estudo que se refere à terminalidade da vida.

A exemplo do que ocorreu em Curitiba, com o início do processo de irradiação do conteúdo da Declaração Universal entre as entidades representativas de profissionais das diferentes áreas do conhecimento, eventos para ajustes às peculariedades locais serão realizados em outros países das Américas. Em setembro, o México terá o seu simpósio. O da Argentina será em outubro, em Buenos Aires.



As Declarações existentes

Declaração Universal dos Direitos do Homem - 10/12/1948

Declaração Universal sobre Genoma Humano e os Direitos Humanos - 11/11/1997

Declaração Universal sobre Dados Genéticos Humanos - 16/10/2003

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos - 19/10/2005



Carta de Curitiba


Reunidos na sede do Conselho Regional de Medicina do Paraná nos dias 17 e 18 de Agosto de 2006, profissionais de diferentes áreas do conhecimento humano, por ocasião do Simpósio Internacional do CRMPR - Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO,


CONSIDERANDO:


1) Que a Declaração foi homologada por unanimidade na Conferência Geral da UNESCO em sua 33.ª sessão, em 19 de outubro de 2005, em Paris;

2) Que, após ouvida a apresentação do conteúdo da Declaração por membros de entidades representativas da UNESCO, Brasil e Argentina, que participaram ativamente no processo de elaboração e redação final da mesma;



PROPÕE:


1) Apoiar o conteúdo e a implementação de medidas que favoreçam a concretização dos objetivos da Declaração;

2) Recomendar que as entidades representativas de profissionais das diferentes áreas do conhecimento promovam atividades no sentido de dar divulgação e encaminhamento às propostas contidas na Declaração;

3) Que os Conselhos Regionais e Federal de Medicina promovam reuniões com a finalidade de implementar as medidas propostas na Declaração;

4) Que as legislações futuras, elaboradas no País, cujos conteúdos guardem relação com a Bioética, levem em consideração os preceitos contidos na Declaração;

5) Que no campo educacional, especificamente, seja estimulada a implementação da Bioética em todos os níveis de ensino; e

6) Que os órgãos representativos do Governo Brasileiro considerem as recomendações da Declaração como referência nas tomadas de decisões nos campos biomédico, sanitário, educacional, ambiental e outros que tenham relação com o conteúdo da Declaração.



Curitiba, 18 de Agosto de 2006




HÉLCIO BERTOLOZZI SOARES

Presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná




JOSÉ EDUARDO DE SIQUEIRA

Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética




VOLNEI GARRAFA

Presidente do Conselho Diretor da REDBIOÉTICA/UNESCO




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