Da utilidade de conselhos de ética





O espetáculo grotesco a que está se prestando o Conselho de Ética do Senado, entre uma mise-en-scène cafetínica e outra, é triste, mas serve de ponto de partida para uma reflexão acerca dos chamados conselhos de ética. Já tive o desprazer de ouvir da boca de alguns colegas que o conselho (no caso, o conselho profissional dos médicos, o CRM) tinha mesmo de ser corporativista.


Aqui cabe uma diferenciação. Há corporativismos positivos e negativos, embora o senso comum atribua à palavra o sentido negativo. Considero positivo o corporativismo que defende os interesses de uma classe profissional qualquer a partir da perspectiva idiossincrática desta classe (idiossincrasias estas não completamente conhecidas pela sociedade e/ou outras classes profissionais), e que acaba por resultar em benefício à comunidade.


Exemplos de corporativismos positivos são a ação do CRM em defesa da aprovação da lei do Ato Médico, ou a do CRO para coibir a atividade de dentistas práticos. Para um precipitado desinformado ou (vai saber) com o juízo embaçado por interesses pessoais feridos, ambas as situações podem se configurar como um corporativismo negativo. Entretanto, a partir de uma análise desapaixonada e suficientemente informada, é fácil enxergar que quem ganha é a população. Em outras palavras, o corporativismo positivo é uma ação ética por excelência, já que visa, no limite, o outro.


O corporativismo negativo pode aparecer de diversas formas. Uma delas é a instrumentalização dos conselhos. A utilização, para fins pessoais, do poder conferido a quem os integra. Embora a seleção natural acabe por colocar dentro deles pessoas com real qualificação e vocação (sim, é necessária vocação!), sempre há aqueles que, cônscios da própria mediocridade, valer-se-ão (vai desculpando aí a mesóclise, não resisti) do banquinho de poder e, uma vez em cima dele, apontarão o dedo pro nariz alheio (ou deixarão de apontar) quando o próprio é uma coriza só.


Ajeitando a vida do amigo, ignorando solenemente fortes evidências incriminadoras, perseguindo um inimigo, enfim, o estrago que um despreparado ou imbuído de má-fé pode fazer num conselho de ética é grande.


Mas o que é ética mesmo? "É o contrário de poder porque significa a consideração dos interesses dos outros. E a pessoa que tem muito poder torna-se capaz de alimentar seu próprio egoísmo sem submeter-se às regras recíprocas." (Ernst Tugendhat, em entrevista ao POPULAR de 27 de maio de 2001). Esta é uma resposta (entre muitas) possível e nos leva de volta ao Conselho de Ética do Senado.


Está mais do que claro que não se trata de um "conselho de ética", mas, sim, de um "conselho político".


Há ainda outro ponto interessante. As diferentes esferas morais agredidas por Renan Calheiros. Curiosamente, a traição conjugal, em vez de jogar a opinião pública contra ele (e, com ela, a opinião dos senadores), parece que o fortaleceu. Numa jogada de mestre, Calheiros capitalizou a primeira falta de decoro (provada e assumida) para combater a segunda (ainda investigada). Se sair dessa, recomendo sua candidatura à Casa Branca.


Flávio Paranhos, médico, é doutor (UFMG) e postdoc fellow (Harvard) em Oftalmologia, mestre (UFG) e doutorando (UFSCar) em Filosofia e membro do Conselho de Ética em Pesquisa do HC-UFG

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