De novo a pletora de cursos de medicina

Não há qualidade, há excessiva quantidade de médicos. Será que as autoridades não vêem e não conhecem essas mazelas?




JUSTIFICO minha manifestação, uma vez mais a esta Folha de S.Paulo: escrevi há tempos sobre a pletora de faculdades de medicina existentes no Brasil e venho alertando os donos do poder de que o excesso de profissionais não resolve o problema da saúde ou o do atendimento médico porque, com isso, consegue-se uma quantidade maior de pessoal em detrimento da qualidade.


As escolas não conseguem ensinar medicina de verdade aos alunos porque não têm massa crítica nem hospitais de base, mas têm convênios precários, cargas horárias desvirtuadas, excesso de alunos nos ambulatórios e nas enfermarias, professores mal remunerados e não entusiasmados com a transmissão de seus conhecimentos, sem paciência e estímulo para acompanhar os alunos -e assim por diante, até o término do curso nos seis anos exigidos por lei.


Assim, não se tem um médico, mas sim um jovem "formado em medicina". Para melhorar seu conhecimento, procura cursar uma residência -nem todas são excelentes-, nela permanecendo por pelo menos três anos.


Essa residência nós instalamos na Escola Paulista de Medicina em 1962 para formação dos futuros professores de clínica e cirurgia.


Assim permaneceu por vários anos. Depois ela foi estendida às demais disciplinas da faculdade, agora com certa precariedade.


A residência acabou por se tornar um emprego, com exigências mais imediatistas, como se vê hoje. Mesmo assim, não há colocação para os 15 mil médicos formados atualmente.


Instalou-se, em 1975, a pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado no sentido de formar o professor nessa carreira, pois a residência deixou de ser um pré-requisito ao professorado.


Sempre propus a residência como um crédito ao mestrado -o médico lucraria com isso um tempo precioso. O fato é que a demanda de médicos para o Brasil, no meu entender, é de 1 médico para cada 1.300 habitantes. Portanto, 6.000 profissionais por ano seriam suficientes.


Hoje, formam-se 15 mil médicos e não se sabe o que fazer com o excedente. Vejamos a comparação: a própria Organização Mundial da Saúde diz que a relação ideal é de 1 médico para cada mil habitantes; no Brasil, nossa relação é de 1 médico para cada 600 habitantes. Nas capitais brasileiras, o quadro é assustador: no Rio de Janeiro, a relação é de 1/196; em Vitória, 1/124; em Porto Alegre, 1/180; no Recife, 1/213; em São Paulo, 1/300.


Esses resultados são confirmados por Ney Cavalcanti na "Folha de Pernambuco", em 19 de setembro. Acrescente-se que, no Brasil, há 157 escolas médicas para menos de 190 milhões de habitantes, enquanto nos Estados Unidos, com 300 milhões de habitantes, existem 125; na Índia, com 1 bilhão de pessoas, há 140 faculdades; na China, com 1 bilhão e 300 milhões, há 150 cursos médicos.


Vê-se, pois, que essa pletora de faculdades de medicina entre nós fornece 15 mil médicos ao ano, a grande maioria dos quais necessitando de três a quatro empregos para sobrevivência. Não há qualidade, há excessiva quantidade. Muitos municípios do país são privados de profissionais. A disparidade em tudo é geral e assustadora. Não há, na realidade, médicos -há "formados em medicina".


Creio que os dados são alarmantes. Com o tempo, pioram: basta lembrar que, há 20 anos, a Abem (Associação Brasileira de Educação Médica) falava em 86 faculdades. Agora, o número duplicou.


Não é admissível permitir essa grave situação, pois todos perdem com isso e o país se empobrece na saúde, no atendimento e cientificamente. Todos os setores sentem esse problema. Será que as autoridades não vêem e não conhecem essas mazelas? Será que não há possibilidade de pôr cobro nessa situação irregular da saúde e talvez da vida do cidadão?


Praza aos céus, surja alguém somente interessado nas causas justas para colocá-las na justeza que verdadeiramente merecem.



AFIZ SADI, professor titular aposentado de urologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é membro honorário das Academias de Medicina de Minas Gerais e de São Paulo e da Academia Nacional de Medicina.

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