21/05/2012

Demanda jurídica crescente na saúde traz alerta aos médicos e instituições

O número crescente de processos envolvendo questões médicas gera preocupação com o futuro da saúde suplementar e pública no País e alerta os profissionais quanto ao cuidado com os detalhes da prática médica no dia a dia.



A acreditação nos serviços, o futuro da saúde suplementar no País e a crescente demanda jurídica na área assistencial foram temas debatidos na manhã de 11 de maio, durante o "Café com Palestra", realizado pelo Instituto de Planejamento e Pesquisa para Acreditação em Serviços de Saúde (IPASS), como parte de suas atividades comemorativas de 15 anos de fundação, processo do qual o CRM-PR participou.


O encontro ocorreu no Hotel Deville Rayon, em Curitiba, e teve na abertura palestra sobre "Aspectos relevantes da acreditação nos serviços de saúde", com o presidente do IPASS, o médico Fábio de Araújo Motta, que também preside a Associação Paranaense de Controle de Infecção Hospitalar. O evento teve apoio da Fehospar, Sindipar e Ahopar, instituições cofundadoras do Instituto e que planejam levar a discussão sobre o processo de acreditação às diversas regiões do Estado.


O presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB-PR, Silvio Felipe Guidi, foi o palestrante-convidado e discorreu sobre o gerenciamento de risco jurídico médico-hospitalar. O advogado apresentou números preocupantes. Comparando índices de demandas judiciais relacionadas à saúde nos Estados Unidos e no Brasil, constata-se um diagnóstico não muito favorável. "O futuro da atividade médico-hospitalar poderá inviabilizar-se financeiramente, a não ser que profissionais e estabelecimentos adotem procedimentos de gestão de risco".


O número de ações na justiça brasileira reclamando causas do âmbito da saúde pública e privada aumenta a cada ano. "Se continuar assim, daqui há dez ou quinze anos teremos uma situação parecida com a crise do sistema de saúde americano. Os Estados Unidos são nosso espelho", afirmou.



Realidade norte-americana

Na cultura americana, por muito pouco se recorre à justiça. E esta prática migrou para o serviço de saúde. Hoje é totalmente inviável adquirir um serviço de saúde sem estar devidamente segurado. Os erros médicos tornaram-se casos recorrentes no judiciário norte-americano. De acordo com estudos realizados pelo New England Journal of Medicine, nos EUA as causas judiciais envolvendo a saúde iniciaram na década de 60. Na década de 70, um quarto dos médicos já havia sido processado e, atualmente, há cerca de três processos por médico. Com isto, os médicos passaram a adotar posturas defensivas, adotando procedimentos excessivos para confirmação de diagnóstico e prevenção de responsabilidade, gerando gastos que variam de 5 a 15 bilhões de dólares.


Nas ações por erro médico em território americano, 73% dos médicos foram condenados. "O mais assustador é o índice de condenação em casos sem erro médico, ou seja, com danos ao paciente que não foram comprovados como erro médico. Desses, 28% foram condenados". Mais de 52% das indenizações foram maiores do que um milhão de dólares.



Realidade brasileira

No Brasil, somente na década de 90 que o Código de Defesa do Consumidor trouxe novas possibilidades para o paciente recorrer judicialmente. Antes disso, o paciente precisava provar que sofreu o dano. "Isso era muito complicado, pois não tendo o conhecimento da Medicina ficava muito difícil provar que foi lesado". Com a chegada do Código, o médico, ou hospital, que precisa provar que não lesou o paciente. Essa mudança foi o incentivo que o brasileiro precisava para recorrer à Justiça para resolver pendências com o sistema de saúde. Nesta época também começaram a surgir as associações de vítimas de erro médico, e a cobertura da mídia sobre erros ou procedimentos equivocados intensificou-se.


De 2001 a 2008 o Supremo Tribunal de Justiça registrou um aumento de 17 vezes no número de processos envolvendo questões de erro médico. Dos 2.500 processos enfrentados nos tribunais do País sobre o assunto, 40% foram julgados a partir de 2008.


Entre os anos de 1994 a 1996 foram registrados no Tribunal de Justiça do Paraná 19 processos relacionados ao tema. No período seguinte, 42 e, consecutivamente, os números subiram para 116, 193 e 313. Entre 2009 e 2011 o número de processos saltou para 515. Um aumento de mais de 27 vezes em relação ao início da década de 90. Vale lembrar que o número de processos que envolve a saúde suplementar é dez vezes maior do que a pública.


A média nacional, no Brasil, de condenação por erro médico é de 50% dos processos, contra os 73% nos Estados Unidos. "O Brasil não está muito longe da realidade americana", ressalta Silvio Guidi. Em terras brasileiras, as condenações englobam danos morais, estéticos, materiais, lucros cessantes e pensões.


"É importante ressaltar que um processo contra um médico atinge o hospital em que ele atuou e vice-versa. Não tendo um serviço de saúde adequado o paciente busca a justiça. Assim, o serviço de saúde fica mais caro e diminui o número de pacientes", destaca o advogado.



Absolvições

No Brasil, um dos fatores que contribui para a absolvição dos médicos que efetivamente cometeram falhas é a falta de preparo dos advogados das vítimas. "O despreparo faz com que os processos sejam frágeis, sem provas, e com isso os juízes os julgam improcedentes. Em cerca de 30% desses não havia solicitação de prova pericial".


Entretanto, a demanda da saúde pela justiça está crescendo e com ela os profissionais que atuam na defesa das vítimas e réus. No Brasil já existem aproximadamente 20 cursos de pós-graduação presenciais em Direito Médico, além de outros dois online. Além disso, a matéria vem sendo inserida na grade curricular dos cursos de graduação pelo País afora. Ainda, com o acesso globalizado à internet, e com o aumento da doutrina sobre o assunto, é muito mais fácil tomar conhecimento das decisões judiciais de todo País.



Condenações

O valor das indenizações brasileiras ainda não é tão assustador quanto os dólares pagos em causas americanas. Variam entre R$ 15 e 150 mil reais, conforme levantamento feito pelo Cremesp em 2006. Porém, vale lembrar que os tribunais são intolerantes nessa esfera. Danos causados por uma infecção hospitalar, por exemplo, é condenação na certa. "O tribunal entende que basta o dano ao paciente para gerar a condenação, por mais que existam justificativas no âmbito da estatística para a contaminação". Em novembro do ano passado, o julgamento de uma causa do tipo trouxe R$ 150 mil para o bolso do paciente que entrou com a ação.


Outro fator que o tribunal não perdoa é quando a família é atingida por conta do dano ao paciente, como em casos em que o provedor fica afastado por erro médico. "Por mais que esse erro não seja constatado no final, durante o trâmite o tribunal entende que há dano para a família e determina o pagamento de pensão no decorrer do processo". No final do processo este dinheiro não é recuperado, mesmo que seja constatada culpa.


Outras condenações têm ocorrido por fatores que derivam do ato médico, como vício de consentimento, guarda de documentos, falhas no preenchimento de prontuários, óbito não comunicado à família e divulgação de imagem de paciente sem autorização prévia. "A justiça atende ao paciente. É paternalista neste sentido, assim como é ao trabalhador em relação ao empregador".

"A dica que damos ao médico é que se preocupe em seguir todos os protocolos, tanto clínicos como administrativos. Uma pequena desatenção pode incorrer em um processo que pode iniciar daqui há dez ou até 15 anos, dependendo do caso. Um descuido hoje pode impactar numa ação desgastante amanhã. O médico e a entidade hospitalar precisam ver a acreditação como um escudo de apoio para sua própria proteção e prevenção", alerta Silvio Guidi.



O café com palestra

O evento realizado no dia 11 de maio deu início às comemorações dos 15 anos do Instituto de Planejamento e Pesquisa para Acreditação em Serviços de Saúde (IPASS). As atividades comemorativas prosseguirão. Estão previstos um ciclo de cursos, para o segundo semestre deste ano, e um congresso no primeiro trimestre de 2013. Estiveram presentes representantes de diversos hospitais da capital e também da Secretaria Municipal e Estadual de Saúde, entre eles, o conselheiro Luiz Sallim Emed, representando também o Hospital Nossa Senhora das Graças.


Fábio de Araújo Motta, médico pediatra e presidente da entidade, falou sobre o futuro da saúde suplementar no País e os possíveis caminhos para se obter sucesso na busca pela excelência nos serviços de saúde. "Um dos grandes temas em que precisamos avançar é na segurança que o sistema de saúde transmite ao paciente. Pesquisas mostram que um dos maiores medos das pessoas surge quando precisam do sistema de saúde. Com a cobertura da mídia cada vez mais acirrada em cima das falhas no sistema de saúde, os pacientes associam risco de morte ao serviço hospitalar", afirma.



Sobre o IPASS

O IPASS é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que desde 1996 tem a finalidade de promover a qualidade nos serviços de saúde. Foi a primeira instituição credenciada pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). A entidade contou com a participação do Conselho Regional de Medicina e de outras entidades em sua fundação.

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