Depoimento da história do PS do Hospital do Trabalhador

Vera Lúcia de Oliveira e Silva

Há pouco mais de 25 anos duas grandes lacunas produziam efeitos graves no cenário curitibano, uma delas incidindo na formação de médicos pela UFPR; a outra, no ambiente assistencial de nossa cidade.

A primeira lacuna, sentida desde longa data, porém mantida sem solução, dizia respeito à inexistência de um Pronto-Socorro no Hospital de Clínicas. Havia, sim, um serviço de pronto atendimento clínico-cirúrgico, mas que não incluía na sua missão o atendimento às vítimas de traumas produzidos pelos eventos violentos, com destaque para o trânsito, a violência interpessoal, as quedas, os acidentes de trabalho e as catástrofes e desastres. Dada a magnitude epidêmica de tais agravos, desnecessário dizer que permanecia incompleto o currículo do curso de Medicina da UFPR.

A segunda, sentida por toda a comunidade curitibana, dizia respeito à sobrecarga brutal que recaía sobre os dois prontos-socorros da cidade, naquele então – o Hospital Cajuru, ligado à PUC; e o Hospital Evangélico, ligado à então Faculdade Evangélica de Medicina –, ambos oferecendo resposta heroica à demanda de suporte básico e avançado de vida para vítimas de trauma, em situação de sofrimento intenso e risco de vida.

Um primeiro movimento para se dotar o HC-UFPR e a cidade de um pronto-socorro foi realizado pelo Prof. Ricardo Akel, então diretor do HC, resultando em alguma interlocução interinstitucional (União, Estado e Município) e num intercâmbio promovido pelo Comitê Paraná-Ohio da Associação dos Companheiros das Américas. Assistida pelos companheiros dos Estados Unidos, assumi a responsabilidade de visitar serviços de urgência-emergência naquele país, importando de lá o saber disponível sobre o estado da arte em matéria de pronto-socorro: desenho arquitetônico, mobiliário, equipamentos, composição de equipes na linha de frente e na retaguarda, procedimentos, treinamento profissional. Enfim, tudo o que pudesse garantir, às vítimas do trauma, um diferencial de qualidade no seu atendimento.

Quis a história que meu aprendizado no Ohio tivesse outro destino, naquele momento: a formação dos primeiros socorristas e médicos para guarnecer as ambulâncias do Corpo de Bombeiros. No entanto, aquele primeiro movimento acabou ganhando um novo e decisivo impulso quando o Dr. Luiz Carlos Sobania, tendo promovido a implantação do SIATE em Curitiba, tomou para si a responsabilidade de propor solução para as duas grandes lacunas já mencionadas.

Foi ele quem catalisou os encontros e as articulações que trouxerem os problemas em tela ao primeiro plano do interesse do Reitor da UFPR, Prof. José Henrique de Faria, e dos Secretários de Saúde do Estado, Armando Raggio, e do Município, Dr. João Carlos Baracho, sendo o Reitor assistido pelo presidente da FUNPAR, a fundação da UFPR para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cultura.

O Dr. Sobania estimulou interesses e angariou respostas consequentes. Daquela articulação quadripartite nasceu um convênio cuja coordenação técnico-administrativa me coube e que teve o feliz resultado de transformar um equipamento de saúde ocioso – o antigo Hospital Geral do Portão, herdeiro do antigo Sanatório do Portão – em um pronto-socorro efetivo, capaz de absorver, imediatamente, um terço da demanda de atendimentos de urgência e emergência na cidade de Curitiba e região metropolitana.

O antigo hospital foi rebatizado como Hospital do Trabalhador porque o então Secretário de Saúde, Armando Raggio, decidiu que ali também se instalaria um núcleo de Saúde Ocupacional e Medicina do Trabalho, como polo de referência para o Estado. O Prof. João Carlos do Amaral Lozovey, da UFPR, recebeu a incumbência de implantar o referido polo.

O novo equipamento de saúde, depois de uma ampla adequação arquitetônica conduzida pela Prof.ª Sandra Pinho Pinheiro, da UFPR, ativou-se plenamente, cumprindo sua vocação de salvar vidas e promover ensino universitário em várias áreas. Imediatamente os alunos da UFPR dos cursos de Medicina e demais ciências da saúde tiveram acesso a estágios no ambiente de um pronto-socorro, suprindo-se um déficit histórico, inaugurando-se também condições para o efetivo ensino em Saúde Ocupacional.

Simultaneamente, implantamos no currículo do curso de Medicina o ensino do protocolo de suporte avançado de vida no trauma (o ATLS – proposto e divulgado pelo Colégio Americano de Cirurgiões e importado para o Brasil pelo Prof. Dario Birollini da USP), como disciplina obrigatória, sob a responsabilidade do Prof. Iwan Augusto Collaço; e a disciplina de Atendimento Pré-Hospitalar, facultativa, dirigida pelo Prof. Gabriel Paulo Skroch. Era diretor do Setor de Ciências da Saúde o Prof. Mario Sergio Julio Cerci e coordenador do Curso de Medicina o Prof. Sergio Zuñeda Serafini. Conjugaram o embasamento teórico ao treinamento em serviço, os dois pilares de qualquer ensino médico efetivo.

Registro uma homenagem à primeira equipe gestora do Hospital do Trabalhador, que aqui faço representar pela Dra. Marilise Borges Brandão, a primeira diretora-geral; pelo Prof. Ângelo Tesser, o primeiro diretor clínico; pelo Dr. Herman Valentin Guimarães, o primeiro diretor técnico; e pelo Prof. Marcos Luiz de Paula Souza, o primeiro diretor administrativo. Trabalhando de forma decidida para promover seriedade absoluta com a coisa pública, aquela equipe garantiu que o novo hospital somente conservasse nos seus quadros aqueles profissionais comprometidos com o cumprimento efetivo e eficaz de seu contrato de trabalho. Isso fez toda a diferença.

Hoje, o Hospital do Trabalhador ampliou-se como Complexo Hospitalar e seus limites transcendem nossas maiores ambições daqueles dias pioneiros. É notório que a direção que o Dr. Gessy Labres de Souza Junior vem dando ao HT nos últimos vinte anos tem sido decisiva nesse processo de fortalecimento do hospital, mas eu não tenho dúvida alguma de que a seriedade daqueles momentos iniciais decidiu o futuro grandioso que se vem, desde então, desdobrando.

A todos aqueles que acreditaram no projeto desde o primeiro momento; àqueles que foram aderindo ao longo do caminho; e mesmo àqueles que se viram obrigados a reconhecer que é possível promover assistência de qualidade num equipamento de saúde inteiramente público – a todos, registro um respeitoso voto de louvor. Só porque tantos vieram juntos é que foi possível concretizar o sonho!

*Vera Lúcia de Oliveira e Silva é médica (CRM-PR 6.529), especialista em Clínica Médica. Atua na Universidade Federal do Paraná.

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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