09/04/2012
         Desrespeito à formação do médico
         
         Não, não há justificativa para a atitude do Ministério da Educação de anunciar à mídia e à sociedade o corte de 512 vagas
            em escolas médicas com baixos conceitos de avaliação e, na mesma semana de novembro último, permitir a abertura de seis novos
            cursos de graduação (Faculdade Santa Marcelina - São Paulo/SP, Faculdade de Ciências da Saúde - Barretos/SP, Universidade
            de Franca/ SP, Universidade Federal de São João Del Rei - Divinópolis/MG, Faculdade Ceres - São José do Rio Preto/SP e Cesumar
            - Maringá/PR), a maioria particular, com outras 480 vagas.
            
            
Podemos pensar em incoerência político-administrativa e/ou tentativa deliberada de desviar a atenção da opinião pública
            sobre a abertura indiscriminada de escolas médicas que infelizmente não chegou ao fim no Brasil. Mas a nossa atenção, a da
            classe médica e de suas entidades representativas, não podemos deixar desviar. 
            
            
Agora, são 185 escolas médicas no país. E muitas vêm por aí, como os casos já anunciados da Universidade Federal de Mato
            Grosso do Sul e Universidade Federal da Grande Dourados, representando mais 90 vagas. Apenas de 2000 a 2010, o total de cursos
            de medicina havia saltado de 100 para 181, grande parte deles privados. 
            
            
Em 2008, o ex-ministro da Saúde Adib Jatene assumiu a comissão de especialistas do MEC com a disposição de frear esta
            barbárie, que leva à concessão de diplomas médicos a estudantes esperançosos de exercer a medicina, mas, muitas vezes sem
            a capacitação mínima necessária para fazê-lo, por conta de graves falhas das instituições que sustentam, chegando até a pagar
            R$ 6 mil de mensalidade. 
            
            
A falta de convênio com hospital-escola para a realização do internato, a ausência de corpo docente qualificado e o número
            excessivo de alunos por turma estão entre os maiores absurdos. Pois bem. 
            
            
Àquela época, Jatene já revelava informação preocupante que o MEC tenta esconder a sete chaves: havia em torno de 60 pedidos
            de autorização para abertura de escolas médicas protocolados no Ministério. Ao que denotam as últimas decisões do governo,
            parece ter chegado a hora de atender os interesses político-mercantilistas em jogo e abrir a torneira novamente. 
            
            
A título de alerta, é importante destacar que foram restituídas, no mesmo novembro de 2011, as vagas que haviam sido cortadas
            recentemente na Faculdade São Lucas e nas Faculdades Integradas Aparício Carvalho, ambas em Porto Velho/RO. Juntas elas podem
            receber novamente 180 alunos por ano. 
            
            
Médicos já somos mais de 372 mil no Brasil. Um crescimento de 530% desde 1970, segundo o Conselho Federal de Medicina,
            enquanto o aumento da população foi de 105%. No mínimo 16,8 mil profissionais devem ingressar na prática médica a cada ano,
            daqui para frente. 
            
            
No Enade 2011, exame anual do governo federal de avaliação dos estudantes, 23 das 141 instituições avaliadas tiveram notas
            ruins, entre 1 e 2, em medicina, sendo que nenhuma delas alcançou a nota máxima, 5. 
            
            
Já não bastasse o grande risco de expor a população, especialmente a mais carente, ao atendimento médico de baixa qualidade,
            é inaceitável a tese que o governo tem defendido abertamente nos últimos tempos de que é necessário um maior número de médicos
            para atuação nas áreas desprovidas de estrutura de saúde. 
            
            
Precisamos repetir, incansavelmente, em alto e bom tom, que o Brasil não precisa de mais médicos, muito menos São Paulo
            e outros grandes centros, onde o excesso de profissionais contribui, inclusive, para a desvalorização do trabalho. O Brasil
            precisa, sim, instituir a carreira de Estado para a medicina, como coloca a Proposta de Emenda à Constituição 454/2009, de
            autoria dos deputados Ronaldo Caiado e Eleuses Paiva, este último nosso ex-presidente na APM. 
            
            
Somente com remuneração digna, dedicação exclusiva, ingresso por concurso, progressão, mobilidade e condições adequadas
            de trabalho, entre outras garantias, será possível fixar profissionais longe das metrópoles. O caminho é o do respeito, amplo
            e irrestrito. 
            
            
Artigo escrito por Marun David Cury, pediatra e diretor adjunto de Defesa Profissional da APM (Associação Médica
            Paulista).