Dilma: Suste o susto do SUS

Walter Ceneviva

A presidente da República marcou, para 2015, o início da atuação de acadêmicos de medicina a serem contratados para trabalhos próprios de sua carreira no SUS (Sistema Único de Saúde). 

Sua justificativa - se aprovada no Congresso e acolhida pelo Judiciário em tempo hábil para seu cumprimento - está na necessidade de ampliar o atendimento médico hoje disponível, marcado pela insuficiência quantitativa e qualificativa em algumas regiões do país. A medida vai engajar acadêmicos dos dois últimos anos do curso. 

Quando chegar a hora de aplicar a nova legislação, talvez a atual presidente não esteja no cargo. Assumiu corajosamente o risco de remediar o número restrito de profissionais, com estudantes em final de aprendizado. 

Verdade é que assustou alunos que se programaram para outros caminhos, não se dispondo à contratação referida. A questão constitucional, nada obstante a nobre finalidade da presidente, enfrentará forte resistência para a aprovação. 

A chefe do Executivo dignificará, ainda mais, seu mandato se sustar para melhor análise as providências noticiadas. É o que explica, no título desta coluna, o verbo sustar (isto é: parar, por ora), mais o substantivo susto (sobressalto repentino do ato inesperado) e a invocação do Sistema Único de Saúde, nos limites do art. 198 da Carta. 

Nele está dito que ações e serviços de saúde integram rede nacional, regionalizada e hierarquizada, a serem financiados nos termos do art. 196 da Constituição. Nesse, por sua vez, se lê que a saúde é direito de todos, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, que o povo bem conhece. 

As medidas cogitadas, segundo a Folha noticiou nesta semana, incidirão sobre estudantes de medicina, para o fim de sua contratação oficial, como pré-requisito da formatura e posterior diplomação para exercício da medicina. É mais um ponto no qual o carro federal esbarra no direito alheio, a ser conferido pelos outros Poderes da República. 

São duas razões básicas. A primeira está no capítulo inicial do segundo título de Carta Magna. Lá são definidos direitos e deveres individuais e coletivos do brasileiro e de estrangeiros residentes neste país. 

A norma se encontra no art. 5º da Constituição, pelo qual é garantida a inviolabilidade (inviolabilidade, veja bem o leitor) do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

São dados que incluem, por exemplo, os termos do inciso 13 da mesma norma, na frase: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". 

Possivelmente, foi nessa parte final que os conselheiros da presidente se basearam para dizer que a lei pode especificar o campo da necessidade de contratação pelo SUS. 
Não há, porém, modo de combinar a liberdade do exercício da profissão com o âmbito projetado e, certamente, com o trabalho a contratar. Basta pensar na miríade de especialidades da medicina atual para a livre escolha e a vedação restritiva pretendida. 

Cabe até lembrar as diversas condições da vida junto aos milhares de quilômetros em áreas próximas à nossa fronteira terrestre. É o que explica a coluna de hoje. 

Walter Ceneviva, advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada em "Cotidiano" há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito. Escreve aos sábados na versão impressa de "Cotidiano".

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo deste sábado, 13 de julho de 2013.

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