23/10/2007

Doutores do improviso

A escassez de recursos nos hospitais públicos do Rio transformou os improvisos em perigosa rotina nas emergências. Na falta de colares cervicais e talas, médicos usam papelão e ataduras para imobilizar pacientes com fraturas e lesões na coluna. Doentes com traumatismo craniano também são internados em cadeiras e até mesmo em macas para cadáveres em hospitais do Rio e de Nova Iguaçu. A exemplo do que já foi feito pelo Ministério Público, a Defensoria Pública da União também entrou com ação na Justiça pedindo o reaparelhamento de unidades municipais e federais do Rio. Fotos tiradas por funcionários do Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, em agosto deste ano, mostram um homem com fraturas na perna e no quadril, além de lesão na coluna, sendo imobilizado com pedaços de papelão e ataduras. Na cena, é possível notar o esforço de médicos e enfermeiros para prender o doente à maca. No mesmo hospital, um outro paciente, um idoso, vítima de atropelamento, com traumatismo craniano grave, ficou por horas internado numa cadeira, no dia 13, por falta de macas. A despeito da suspeita de lesão na coluna, ele não foi imobilizado, pois não havia colar cervical. Ao contrário, ficou com a cabeça pendente. - Pela indisponibilidade crônica de materiais, algumas vezes utilizamos papelão, frascos de soro ou algodão ortopédico para imobilizações, que não promovem uma estabilidade adequada. Nesses casos, o paciente pode ficar com seqüelas, como paralisia nos braços e pernas ou mesmo tetraplegia - reconhece um médico da unidade.

Cirurgias sem ar-condicionado

A rede municipal do Rio também é alvo de denúncias relativas à falta de materiais essenciais. Fotos tiradas por médicos do Hospital Miguel Couto, na Gávea, mostram um homem em coma, com lesão na coluna e no crânio, imobilizado com ataduras. Na imagem, um outro detalhe chama a atenção: o doente está deitado numa maca usada para limpar cadáveres.

Para o vereador Carlos Eduardo, presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, improvisar virou rotina para os médicos da rede pública. Ele diz que imobilizações com papelão e ataduras e com frascos de soro para apoiar a cabeça dos doentes são extremamente comuns, assim como a utilização de luvas com a ponta de um dedo cortada, como drenos.

- No Rio, pratica-se a medicina do papelão, a medicina do chão, a medicina da furadeira - ironiza. Quando o ar-condicionado está quebrado, cirurgiões costumam operar pacientes com as portas do centro cirúrgico abertas para minimizar o calor, lembra Carlos Eduardo. Esse problema ocorreu recentemente no Hospital estadual Adão Pereira Nunes (Saracuruna), em Duque de Caxias. Os três equipamentos de ar-condicionado do hospital ficaram quebrados por cerca de um mês. O conserto foi concluído ontem.

Em fevereiro de 2006, O GLOBO mostrou o caso de médicos do Hospital estadual Rocha Faria, em Campo Grande, que precisavam desenhar em papéis as imagens visualizadas no tomógrafo, pois não havia filme para impressão. Os desenhos eram então levados para o centro cirúrgico, para orientar os cirurgiões. No Hospital municipal Lourenço Jorge, por sua vez, fios de cobre eram usados na entubação de pacientes em substituição às guias - espécie de fio medicinal.

Por conta dessa situação, o titular do Ofício de Direitos Humanos do núcleo do Rio da Defensoria Pública da União, André Ordacgy, entrou em julho com ação cível pública na 8aVara Federal do Rio, pedindo o reaparelhamento de seis unidades: os hospitais municipais Souza Aguiar, Miguel Couto, Lourenço Jorge e Salgado Filho e os federais do Andaraí e Geral de Bonsucesso.

O pedido de liminar deve ser apreciado nos próximos dias. A Secretaria municipal de Saúde nega falta de materiais nos hospitais. No caso do paciente fotografado numa maca para cadáveres e com colar cervical improvisado no Miguel Couto, o órgão disse que, provavelmente, ele já chegou nessas condições e, depois de receber o primeiro atendimento, foi devidamente acomodado. A direção do Hospital da Posse também negou, em nota, que haja falta de materiais para imobilização: "São infundadas as afirmações, estando a unidade abastecida de material apropriado para os procedimentos".

Relembre outros problemas

A superlotação das emergências do Rio é agravada pelo fato de hospitais recém-construídos ou reformados não serem inaugurados ou reabertos por causa de atrasos burocráticos, manobras políticas e falta de verbas para a contratação de pessoal e compra de equipamentos. O Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, por exemplo, foi concluído em 2005, mas permanece fechado. Uma liminar obtida pelo Sindicato dos Médicos impediu a contratação de uma empresa para gerenciar a unidade. Novo edital foi publicado e outra empresa deve administrar o hospital. O Hospital de Araruama, inaugurado em 2002, não tem todos os setores funcionando. O setor do Hospital Geral de Bonsucesso está fechado, desde o dia 11, por causa de uma bactéria. Seis pacientes morreram. O hospital do Instituto de Assistência aos Servidores (Iaserj) está com o centro cirúrgico desativado, diz o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze


Fonte: O Globo

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