É inútil guardar célula-tronco em bancos privados de cordão

Cláudia Collucci

"Nasceu nesta manhã (11/01), às 6h39, a herdeira da assessora de imprensa Juliana Despirito e de Henri Castelli. Durante o parto (cesárea), na maternidade Albert Einstein (SP), o ator fez questão de acompanhar a coleta das células-tronco do cordão umbilical da Maria Eduarda, que chegou ao mundo com 3.015 kg e 48 cm."

Assim começa o texto de um release que recebi no final de semana da assessoria de imprensa de uma famosa clínica de coleta e armazenamento de cordão umbilical de São Paulo. Nada contra o marketing da empresa, que já usou outras famosas, como Juliana Paes, Samara Felippo, Leticia Spiller, Mel Lisboa e Wanessa Camargo, para fazer o mesmo tipo de propaganda.

O que me surpreende é o fato desses bancos privados de cordão umbilical ainda insistirem na promoção de um serviço considerado como inútil pelas autoridades de saúde e associações médicas.

"Eu fiz questão de armazenar as células-tronco do cordão umbilical dos meus filhos. Esse procedimento oferece muitas possibilidades de tratamento de doenças sérias", diz um trecho do texto repassado à imprensa, atribuído à Henri Castelli.

Em julho de 2013, após o nascimento do segundo filho, Juliana Paes fez discurso parecido em material de divulgação da clínica: "Esse material [célula-tronco do cordão] é considerado um dos maiores patrimônios genéticos de uma pessoa e pode ser usado no tratamento de mais de 100 doenças", disse a atriz.

Agora, vamos aos fatos, amplamente amparados por evidência científica e pelo crivo de autoridades médicas e sanitárias: preservar as células-tronco do sangue do cordão umbilical em um banco privado não garante o tratamento de doença que a criança possa ter no futuro. Qualquer promessa nesse sentido é falácia pura.

Nunca foi recomendável que cada indivíduo tivesse seu próprio estoque de células-tronco. Imagine se todo mundo tivesse que congelar seu próprio sangue para uma eventual necessidade de transfusão?

As chances de uma pessoa vir a necessitar de um transplante de suas próprias células-tronco são extremamente baixas, estimadas entre 0,0005% e 0,04% para os primeiros 20 anos de vida.

As clínicas privadas tampouco esclarecem que, os cânceres sanguíneos (leucemias, por exemplo) têm um componente genético e, por isso, convém não usar células do próprio paciente para tratá-los.

Segundo a ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular), o genoma da célula-tronco do cordão já carrega a predisposição da leucemia. O mais eficaz é usar as células-tronco de outra pessoa.

Por essa razão, as entidades médicas e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) defendem o fortalecimento dos bancos públicos de cordão umbilical. Hoje há 12 no país e outros quatro serão criados até 2016.

Ano passado, a Anvisa lançou uma cartilha para alertar os pais sobre a inutilidades dos bancos privados e a importância dos públicos.

As clínicas se defendem dizendo que usam dados científicos para que a família decida sobre a eventual guarda.

A verdade, porém, é que ainda há muita desinformação sobre o tema. Os panfletos publicitários enaltecendo esses serviços estão por toda a parte, inclusive nos consultórios dos obstetras.

Os pais, quando aceitam pagar em torno de R$ 5.000 pela coleta e mais R$ 1.000 de anuidade para mantê-las congeladas num banco privado, pensam que estão fazendo uma espécie de seguro de vida para os filhos. E não estão, como reforça a Anvisa na cartilha.

As celebridades prestariam um grande serviço de utilidade pública se divulgassem informações corretas sobre o tema, em vez de simplesmente reproduzirem um discurso que só beneficia os empresários do setor.

Artigo escrito por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha de S. Paulo, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às terças, no site.

* As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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