27/01/2009

Em busca da origem das doenças

Pesquisadores brasileiros dominam técnica de manipulação de células-tronco que permitirá o estudo do surgimento de males como o câncer. Tecnologia será repassada a outros especialistas


A compreensão de doenças ainda misteriosas para a ciência, a exemplo do câncer e de distúrbios neurológicos, nunca esteve tão perto para os cientistas brasileiros. Pela primeira vez, eles poderão coletar células de pacientes, induzi-las em laboratório para que regridam até chegarem a ter características embrionárias (quando podem se transformar em qualquer tecido) e dispará-las para que se desenvolvam. Com isso, poderão entender como se comportam as células, quais mecanismos se associam à doença investigada e ainda testar medicamentos em grande escala.

Esse é o principal resultado prático de uma tecnologia que pesquisadores brasileiros anunciaram ter conseguido dominar na semana passada. Trata-se da reprogramação celular - técnica inédita no Brasil, mas já consolidada no Japão, Estados Unidos, China e Alemanha -, que consiste em induzir as células-tronco adultas a ganharem características de embrionárias (sem a necessidade de utilizar embriões humanos).

Nem um dos autores do estudo - o biomédico Martin Bonamino, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que junto com o neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Stevens Rehen dominou o método usando material de rim humano - arrisca falar em aplicação terapêutica das células-tronco em humanos. "Isso ainda vai depender de muitas pesquisas, é para longo prazo. O ponto principal agora é que poderemos derivar células-tronco de cada paciente para entender melhor as doenças", afirma Bonamino.

O cientista enxerga inúmeras possibilidades de avançar no tratamento - e quem sabe cura - de patologias. "Imagine o quanto ganharemos na compreensão dos neurônios, por exemplo, uma parte do cérebro na qual não se pode fazer biópsia. Isso nos ajudará a entender doenças como o Parkinson e a esquizofrenia", diz Bonamino. O entusiasmo do biomédico é compartilhado por toda a comunidade científica envolvida nos estudos genéticos. "Com o domínio da reprogramação celular, o Brasil tira um atraso considerável em relação a outros países e avança na pesquisa básica, fundamental para compreendermos os mecanismos por trás das doenças", diz Lygia da Veiga Pereira, cientista da Universidade de São Paulo (USP) que obteve, junto com Rehen, a primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias.


Novo desafio

Dominada a técnica da reprogramação celular, que será repassada pelos pesquisadores do Rio de Janeiro a outros grupos interessados, um novo desafio - atualmente já enfrentado pelas nações mais desenvolvidas na área - chega à comunidade científica brasileira: substituir dois tipos de vírus que hoje são usados como vetores para disparar a regressão da célula-tronco adulta. "Ainda não encontramos um vetor melhor. Mas temos que pesquisar, pois a presença do vírus pode acarretar a ativação ou desativação inadequada de algum gene, levando, inclusive, à ocorrência de tumores. Por esse e outros motivos, a aplicação clínica, em humanos, ainda não é possível", afirma Bonamino.

A equipe de José Eduardo Krieger, que dirige o laboratório de genética do Instituto de Coração (Incor), já trabalha nessa linha de pesquisa, testando vírus mais benignos e também outros micro-organismos. "A corrida agora é para vencer a principal limitação do método atual, que está na utilização de vírus", afirma Krieger. Ele concorda que a maior vantagem da reprogramação celular, num primeiro momento, está na possibilidade de estudar patologias. "Há uma série de doenças genéticas, cardíacas, endocrinológicas, das quais não temos um modelo para entender nem para testar drogas. Isso agora será possível", afirma Krieger.

O estudo que culminou na técnica da reprogramação celular recebeu R$ 200 mil do Ministério da Saúde em 2005. Para Luís Eugênio Portela, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia da pasta, o feito coloca o país entre as nações que lideram as pesquisas no mundo. "Este ano, com a constituição da Rede Nacional de Terapia Celular, que promoverá intercâmbio de informações entre os grupos brasileiros, acreditamos em mais avanços na área", diz.

Com o domínio da reprogramação celular, o Brasil tira um atraso considerável em relação a outros países, Lygia da Veiga Pereira, cientista da Universidade de São Paulo.


Fonte: Correio Braziliense

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