Enfrentando a desigualdade


Os médicos brasileiros passaram a ser apontados como culpados pelo estrangulamento da assistência oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De repente, a abertura de novas escolas médicas e o aumento do número de vagas nas já em funcionamento ganharam defesa feroz de setores da gestão. O processo de revalidação dos diplomas de Medicina obtidos em outros países - por brasileiros ou não - passou a ser pintado com tons dramáticos e a produzir mártires.


Mitos ou verdades? Afinal, o que há por trás de cada uma dessas afirmações que, vez por outra, saltam aos nossos olhos nas manchetes dos jornais ou aparecem furtivamente nos debates organizados no Congresso Nacional? Com certeza, podemos afirmar que nada existe de real nessas hipóteses, pois os que realmente entendem do funcionamento do setor saúde sabem que nos movemos sobre terreno nada favorável à simplificação dos fatos.


A pesquisa href="http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/demografiamedicanobrasil.pdf" target="_blank">Demografia Médica no Brasil chega em boa hora para nos ajudar a responder a esses e outros questionamentos, pelo menos em parte. Feito com rigor e critério metodológico, o estudo põe por terra esses argumentos e, em seu lugar, planta a semente da dúvida. Isso exigirá dos médicos, dos gestores e da sociedade o necessário discernimento para entender, no diagnóstico apresentado, pistas para o tratamento futuro a ser prescrito.


A síntese das conclusões pode ser resumida em uma única palavra que aflige a população: desigualdade. No exercício da medicina, esse termo traduz o peso da balança que faz a diferença entre a saúde e a doença, a vida e a morte. E mais: se contrapõe à promessa constitucional de tratar a todos como se fossem um, garantindo-lhes os direitos previstos em lei.


Sem o enfrentamento da desigualdade, a sociedade assistirá a permanência da má distribuição dos médicos pelo território nacional, continuará a ver o setor público da saúde encolhido diante das demandas populacionais e testemunhará a manutenção da crise que tem colocado em risco a sobrevivência do SUS.


Os médicos brasileiros não podem ser tratados como bodes expiatórios de gargalos que assolam, especialmente, as urgências e emergências da rede pública. Também podemos refutar com veemência a matemática intuitiva que prega o aumento de profissionais como o caminho mais fácil de levar atendimento às áreas remotas. Muito menos podemos aceitar a transformação da revalidação do diploma estrangeiro de Medicina numa trincheira que privilegie este ou aquele, sem considerar o que realmente importa: a qualidade do atendimento oferecido.


Bem-vindos ao mundo real, no qual problemas e soluções exigem raciocínio complexo, que considere distintas possibilidades. Agir de outra forma é desrespeitar o cidadão, demonstrando mais apreço às questões ideológicas ou partidárias que aos interesses coletivos. Os mitos não podem determinar políticas públicas. Cabe às verdades atestadas cientificamente e à vivência de cada brasileiro apontar o norte para onde seguir. Somente assim teremos, hoje, o tão sonhado país do futuro.



Artigo escrito por Roberto Luiz d´Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina

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