13/05/2008

Ensino de Medicina em xeque-mate

Aumento indiscriminado de faculdades acende o alerta em torno da qualidade. Para coordenadora do colegiado da UEL, é preciso frear abertura de novos cursos


Representantes dos ministérios da Saúde e Educação, de associações médicas e grande parte dos coordenadores de cursos de Medicina do País estiveram reunidos em São Paulo para o seminário ''O Futuro das Escolas Médicas no Brasil''. Em pauta, a exigência para que o governo barre o aumento indiscriminado de escolas de medicina e feche faculdades com baixo desempenho.

O Brasil é o segundo país do mundo em escolas médicas, atrás apenas da Índia. Em 1997, 85 faculdades estavam instaladas no Brasil. Hoje, são 175, sendo que 32 não possuem hospital-escola nem convênio com hospitais.

Em entrevista à FOLHA, a chefe do colegiado de Medicina da UEL, Evelin Muraguchi, afirma que os critérios para abertura de novos cursos devem ser bem mais rigorosos, principalmente no que se refere à exigência de hospitais-escola para aulas práticas.

Quanto ao fato do curso de Medicina da UEL ter ficado entre as 20 notas mais baixas do País no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o colegiado afirma que a avaliação não coloca o curso entre os piores do País e, de quebra, que houve um boicote, por parte dos alunos, na avaliação aplicada pelo MEC.


A senhora é favorável a barrar a abertura de novos cursos de Medicina no Brasil?

Sou contrária à abertura de escolas que não consigam manter a qualidade que um curso médico necessita. Será que a gente precisa de mais médicos? Temos uma formação de 11 mil médicos por ano. Só este ano foram abertas 17 mil vagas, então daqui a seis anos teremos um número muito maior de médicos do que temos hoje. A proporção no País é de 600 pessoas por médico, índice considerado adequado.

Para a Medicina não vale a máxima de que toda concorrência é salutar?

Não. Para abrir uma faculdade, é importante que tenha uma área física, um grupo de professores e um projeto pedagógico, que é algo facilmente comprável. Mas onde estes profissionais serão treinados? É a mesma coisa de aprender a dirigir. Ninguém abre uma auto-escola sem carro. Na área da Medicina a gente precisa de treinamento, aprendizado da prática. Poucas faculdades têm hospital-escola, porque isso não é condição obrigatória.

Os critérios do MEC para abertura de curso são frágeis?

Eu acho que poderia ser mais rigoroso. Volto a insistir na questão do hospital-escola. Existem hospitais hoje classificados como escola que têm convênio com cinco, seis faculdades. Tem escolas que o estudante passa apenas o período da manhã no hospital. À tarde eles vão estudar para a prova de residência. Vão ser bons médicos estes que aprendem Medicina em meio período?

E a idéia de uma prova semelhante à do exame da OAB não se aplicaria à Medicina?

É uma tentativa, porque o Conselho tem observado que a qualidade dos médicos está caindo. Mas acho que é uma medida muito rígida para tentar melhorar a qualidade do profissional. Deixar a confecção dessa prova na mão de um Conselho Regional de Medicina, sem a participação de pessoas que trabalham efetivamente com educação médica, é uma preocupação. Os estudantes começam querendo ser bons médicos, mas a medida que entram no curso o objetivo muda: querem ser um bom especialista, porque é mais valorizado. Ele deixa de querer ser um bom médico e estuda apenas para passar na prova de residência. Temos que privilegiar a formação como pessoa também, não só o conhecimento médico.

Com relação às universidades particulares, algumas têm preço muito elevado e concorrência relativamente baixa. Não acaba se transformando na ''compra'' de vaga de médico?

Há um risco. Quanto mais cara a mensalidade, menos pessoas podem atingir aquela situação e fica mais fácil passar. O preço das mensalidades, segundo a Associação Brasileira de Educação Médica, vai de R$ 1,8 mil a R$ 4,8 mil.

Será que essa pessoa que paga quase R$ 5 mil por mês para estudar vai se sujeitar a iniciar a carreira na saúde pública, ganhando baixos salários?

Eu acho difícil. Somando os gastos, são quase R$ 360 mil só de mensalidade. O médico que a gente está precisando hoje, que atenda as necessidades mais básicas da população, não vai trabalhar para ganhar cerca de R$ 2 mil por mês. Ele vai querer se transformar em um superespecialista. Se um estudante de faculdade pública muitas vezes não tem vontade de trabalhar para dar retorno a quem financiou o estudo dele - o Estado - muito menos o indivíduo da universidade paga. É importante em início de carreira passar por isso, ter essa experiência geral. Mas o mercado não valoriza esse tipo de profissional. O clínico geral que trabalha no programa Saúde da Família é o ''médico do postinho'', já há um descrédito. Mas a Medicina não se faz só dentro do consultório, tem o envolvimento com a comunidade. A função do médico deveria ser tratar menos da doença e mais da saúde, como um agente social.

Ao que a senhora credita a baixa nota no Enade e o que a UEL pretende fazer para reverter esse quadro?

Atribuímos ao boicote dos alunos. Foi a maneira que encontraram de protestar pelo adiantamento da prova de residência, pela carga horária de trabalho no internato e pelas condições de trabalho devido a reforma do pronto-socorro. Entramos em contato com a Prograde (Pró Reitoria de Graduação) e com a SET (Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), para esclarecer as comunidades interna e externa das razões da baixa nota e solicitar ao Inep - órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enade - a reavaliação do conceito da UEL em razão do boicote. Ainda não sabemos se isso será feito e nem como será o procedimento em caso afirmativo.


Fonte: Folha de Londrina

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