Erro médico: a busca por culpados

O crescente número de processos por erro médico no Brasil vem preocupando a classe médica. Nos Estados Unidos a quantidade de ações é exorbitante. Para que não cheguemos nesse patamar há de se questionar: será o médico sempre o culpado? A relação médico paciente foi bruscamente modificada nas últimas décadas, aquela medicina paternalista, baseada na confiança ilimitada do paciente em seu profissional, acabou. A fase romântica da medicina foi quebrada, abrindo caminho para uma relação desgastada, regada pela falta de confiança e impessoalidade. Se isso não bastasse, adveio a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, que passou a minar esse relacionamento.

Diante disso, os processos por erro médico só vêm aumentando, cada dia mais pacientes insatisfeitos sentem-se no direito de reclamar por uma indenização por "suposto" erro profissional. No entanto, deve-se ter a máxima cautela ao tratar desse assunto, pois a maioria dos processos indenizatórios relativos à responsabilidade do médico é julgada improcedente. Ao analisar a prática médica, deve-se ater ao seu maior algoz, o Sistema Único de Saúde (SUS).

O Brasil de hoje não fornece saúde adequada aos seus cidadãos. Mesmo prevista na Constituição Federal a saúde como dever do Estado, verifica-se a falta de estrutura necessária para a promoção de um bom atendimento à sociedade. O sistema de saúde está seriamente comprometido, não é raro nos depararmos com hospitais superlotados, sem a aparelhagem devida, com poucos ou nenhum médico, diante da imensidão de pacientes que necessitam de atendimento.

E, novamente, será sempre a responsabilidade do médico?
A Gazeta do Povo publicou matéria em 7 de julho, que demonstra que "sete em cada 10 denúncias são contra médicos do SUS". Conforme o acima exposto, é óbvio que existe negligência, mas nesses casos o responsável é o ente público que deixa a saúde da população à mercê de sua própria sorte. Ao invés de atribuir a responsabilização aos médicos, o Poder Judiciário deveria fiscalizar esses hospitais e em muitos casos desativá-los.

Por outro lado, existem processos em que o dano provém efetivamente da atuação médica, seria utópico alegar que esses não existem. Conforme preconiza o artigo 32 do Código de Ética Mé­­dica: ao médico cabe utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Isso demonstra que, em situações como as de hospitais precários, principalmente fora dos grandes centros, o médico deve utilizar todos os meios necessários e disponíveis para um tratamento adequado. Não há como lhe imputar a culpa quando atua de maneira perita, prudente e cautelosa, mas o ente público não fornece a capacidade para o tratamento ideal.

A jurisprudência civil brasileira é firme no sentido de que a atuação do médico é obrigação de meio, salvo algumas especialidades, tendo sua ocorrência na modalidade culposa, ou seja, para ser caracterizada a responsabilidade civil do profissional da saúde, esse deve ter agido de forma negligente, imprudente ou imperita.

A diferença está no ato médico. O profissional não irá responder quando o dano for causado apenas pela falha do hospital, somente terá responsabilidade quanto a sua atuação. Para ser caracterizada essa responsabilidade é necessário a existência de um elo entre sua ação e o evento danoso, é indispensável a presença do nexo de causalidade, ou seja, o dano tem de ter sido ocasionado necessariamente pelo ato do profissional ou de sua equipe.

Por outro norte, ao se julgar um processo por erro médico, deve-se ter também o conhecimento de que o dano possa ter sido acarretado como uma resposta imprevisível do organismo ao tratamento, evolução natural da enfermidade ou até mesmo pelo descumprimento do paciente às recomendações médicas. Nesses casos há ausência de responsabilidade do profissional.

Se faz necessário quebrar o rótulo de que os eventos adversos causados em pacientes sempre figuram como má prática médica. Ante o exposto, novamente questiona-se, será o médico sempre o culpado?
A culpabilidade do médico deve ser provada, e somente ocorrerá quando este agir com imprudência, negligência, imperícia ou praticar um erro grosseiro, e o dano advir expressamente daquele ato médico. Nas demais hipóteses não poderá ser responsabilizado, deve-se levar em conta que a maior parte dos processos são de responsabilidade do hospital e da administração pública, as quais detêm responsabilidade objetiva.


Thaissa Taques, advogada atuante em direito médico, especialista em direito do terceiro setor, é membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB-PR.

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