08/01/2019

Especialista destaca a arte do cinema na reflexão de dilemas no cotidiano médico

Professor na UEL ao lado da esposa, o pesquisador e também cinéfilo Dr. Isaias Dichi diz que filmes ajudam no desenvolvimento da autocrítica, humanização e resolução de problemas. Em 2019, deve estrear espaço em nosso Portal sobre a "sétima arte"

Pesquisador, professor da Universidade Estadual de Londrina e integrante do conselho editorial de diversas publicações científicas internacionais, o Dr. Isaias Dichi é tão apaixonado pela profissão médica (que abraçou há 41 anos) como pelo cinema, sobretudo pelo entrelaço de ambos como arte. Cinéfilo de renome e educador, ele explora os filmes como importante instrumento de formação e conscientização entre os futuros médicos e colegas, a partir da exposição e debate de dilemas do cotidiano, como paciente terminal, dependência química, ganância, racismo, assédio sexual, abusos nas redes sociais e outros conflitos éticos.

“Acredito que a identificação que um aluno pode ter com o profissional retratado na tela seja imediata, o que torna muito adequada a abordagem de aspectos humanos relacionados à sua profissão. É muito comum nos dias de hoje uma dissociação entre o alto nível educacional e a baixa maturidade que os alunos apresentam no início do curso. Além de outras abordagens importantes, como a disciplina de psicologia médica, os filmes podem ajudar no desenvolvimento de autocrítica, importância da empatia e resolução de problemas”. Ao fazer sua análise, reaviva frase de Umberto Eco: “Uma civilização democrática só se salvará se fizer da linguagem da imagem uma provocação à reflexão crítica, e não um convite à hipnose.”

clique para ampliarclique para ampliarDrs. Jane e Isaias Dichi, professores na UEL. (Foto: Arquivo)

Em 2019, o Portal do CRM-PR trará novidades na área cultural. Uma das estreias é a coluna “Entretenimento e arte no maravilhoso mundo do cinema”, a ser conduzida pelo Dr. Isaias Dichi. O projeto ainda está sendo formatado, com perspectiva de ser implementado ainda no primeiro trimestre.

Origem e chegada ao Paraná

Natural do Rio de Janeiro, o Dr. Isaias Dichi é casado com a também médica e docente da UEL, Dra. Jane Bandeira Dichi. O casal veio para o Paraná no início de 1981, para atuar como professores do curso médico, quando se registrou no CRM-PR. Ele recebeu a inscrição 7529 e, ela, a 7530. Mantiveram-se desde então no Norte paranaense. Além de capítulos de livros e palestras, o cinema inspirou o Dr. Dichi a promover debates associando a sétima arte ao mundo médico. No início de 2002, na recepção aos novos médicos na Associação Médica de Londrina, ele participou de cine-debate promovido pelo CRM-PR, ao lado do escritor Domingos Pellegrini e da médica psiquiatra, artista e diretora de teatro Nitis Jacon. O filme “O Impaciente” (1997), do diretor Sidney Lumet, com seus conflitos entre a ortotanásia e a distanásia, foi a referência do debate.

Pela eficácia que o modelo representa ao envolver estudantes e médicos, o cine-debate está sendo avaliado para, eventualmente, em 2019, compor as ações do projeto de Educação Médica Continuada do Conselho de Medicina do Paraná. Consultado sobre a possibilidade de contribuir com o programa, o Dr. Isaias já deu o aceno positivo. Aproveitamos para entrevistá-lo e conhecer um pouco mais de sua trajetória, em especial do apego pelo cinema, o qual entende que deveria encabeçar as belas artes. A invenção dos irmãos Auguste e Louis Lumière data do final do século XIX, quando se juntou as demais artes até então listadas ‑ pintura, escultura, música, literatura, arquitetura e teatro ‑, ganhando assim a referência de “sétima arte”. Para o cinéfilo, contudo, o cinema hoje acolhe todas as outras formas de expressão artística.

 

ENTREVISTA

Como resolveu ser médico?

Dr. Isaias Dichi: A escolha da carreira médica muito se deve à admiração que eu tinha pelo meu irmão, sete anos mais velho, Dr. Hermann Ronai, que é oftalmologista e otorrinolaringologista. Foi criado por um homem cego nas ruas de Florença até os dois anos de idade, e me ensinou a gostar de Medicina como arte.

Porque escolheu se especializar em Clínica Médica e Fisiopatologia?

Acredito que a escolha se deve ao fato de essas especialidades possuírem características de constante busca do diagnóstico e de seus mecanismos, o que, de certa forma, lembra o espírito detetivesco dos filmnoir, aliada ao aforisma de Spinoza de que “conhecer é conhecer pela causa”. Além disso, na faculdade onde me formei (UERJ), os nossos maiores ídolos eram os professores de Clínica Médica.

O senhor e a sua esposa têm trajetórias muito similares. Pode contar um pouco sobre como se conheceram?

Conheci pessoalmente a Jane na residência do Hospital dos Servidores do Estado Rio. Mas. Digamos que já a conhecia “de carimbo”.Uma vez dava plantão no Hospital Carlos Chagas na sexta, e ela na quinta. Então, reparei que os doentes com diagnóstico e prescrição mais adequada eram aqueles que tinham sido atendidos por Jane.

Como se deu sua vinda ao Paraná?

O chefe de minha Enfermaria no Hospital Pedro Ernesto (UERJ), o Dr. Fernão Ramos Pinto, clínico excepcional, era o plantonista responsável nas quintas-feiras no Hospital Carlos Chagas e tinha grande admiração por Jane. Fomos procurá-lo e ele nos disse que havia necessidade de clínicos e professores de Semiologia em Londrina. Foi quando nos encaminhou para o chefe da Disciplina, Dr. Henrique Alves Pereira Júnior. Isso ocorreu em 1980 e já no começo do ano seguinte fomos chamados para trabalhar como professores na Disciplina de Semiologia e Clínica Médica da UEL.

O fato de terem estudado juntos, seguido a mesma profissão e darem aulas no mesmo lugar é algo que facilita ou dificulta o convívio?

Só facilita. Inclusive fizemos mestrado com os mesmos pacientes; eu desenvolvendo a metodologia de isótopos estáveis com 15N, a Jane fazendo intervenção nutricional em pacientes cirróticos com a metodologia citada, sob a orientação do Prof. Roberto Carlos Burini, na UNESP-Botucatu. Outra facilidade é que só temos um carro, o que nos proporciona a possibilidade de mais viagens pelo país e exterior, o que mais gostamos de fazer.

E a sua opção em fazer mestrado e doutorado na área de nutrição e metabolismo?

Jane e eu não gostaríamos de abandonar a nossa grande área de Clínica Médica e escolhemos a especialidade, relativamente nova e que nos proporcionaria a facilidade de trabalhar conjuntamente com qualquer especialidade clínica, o que acabou acontecendo, especialmente nas áreas, de reumatologia, endocrinologia e gastrenterologia. Hoje, trabalho em parceria com a Prof.ª Andréa Name Colado Simão no Laboratório de Imunologia Aplicada do Hospital Universitário de Londrina. Como pesquisador, publiquei com colegas cerca de 100 artigos, a maioria em revistas internacionais, e tenho dois livros publicados pela Editora CRC Press. Um deles, “NutritionIntervention in Metabolic Syndrome”, é avaliado por organização internacional como um dos mais importantes na área. Recentemente, tivemos a enorme satisfação de ver aprovado o curso de graduação em Nutrição na UEL, um sonho que Jane e eu acalentávamos, e que, contando com o apoio da nutricionista Prof.ª Clísia Mara Carrera e de vários departamentos envolvidos, tornou-se realidade.

clique para ampliarclique para ampliarProf. Dichi, com alunos da Universidade de Londrina. (Foto: Arquivo)

Até que ponto podemos encarar o alimento como um remédio?

A nutrição é uma linda especialidade quando mostrada e exercida de modo científico. Os alimentos têm grande importância para o estabelecimento de uma vida saudável e prevenção de doenças crônicas. Realmente, alguns deles podem inclusive servir como terapia complementar ao tratamento médico e, em nossas pesquisas de intervenção nutricional, sempre aliamos os alimentos aos medicamentos que os pacientes utilizam.

O senhor integra o corpo editorial de várias publicações científicas internacionais de alto calibre. Que tipo de oportunidades e experiências isso trouxe? O que o senhor acha sobre a revisão de trabalhos.

A revisão de artigos por seus pares é importante para que o manuscrito tenha qualidade e seja reconhecida como obra de valor. O trabalho é voluntário, mas traz satisfação intelectual, haja vista a aprendizagem que se adquire, muitas vezes em primeira mão, e o diálogo que se estabelece entre o autor da pesquisa e o revisor. Consegui também ter contato com vários cientistas de renome, o que tem nos ajudado na parceria com outras instituições internacionais de elevado conceito e a inserção de alunos de pós-doutorado em universidades, como é o caso da Universidade de Michigan.

Qual é a sua missão?

O trabalho em Universidade proporciona a possibilidade de trabalharmos em diferentes atividades. Como professor, minha missão é a de fazer os alunos pensarem de maneira lógica, desenvolvendo concomitantemente os raciocínios dedutivo e indutivo. Além disso, situá-los sempre na perspectiva da medicina como ciência na interface das áreas humanas e biológicas, fazendo com que a sua maior preocupação sempre seja com a saúde do paciente e, para isso, desenvolvendo habilidades no campo biológico e humano.

Como pesquisador, o empenho de nossa equipe é realizar trabalhos originais, procurando mostrar os mecanismos das doenças e modos de atenuá-las através de suplementação alimentar.

Como administrador público, enquanto chefe de Departamento de Clínica Médica e Diretor do Centro de Ciências da Saúde, o tratar com respeito a nossos profissionais e servidores na área da saúde, tendo sempre em mente as palavras de Marco Polo para Gengis Khan, no texto final de Ítalo Calvino em Cidades Invisíveis: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço”.

Como médico, sempre tentei pautar minha conduta pensando que, quando se atende um paciente, nossos atos e palavras, para serem valorizados, devem mostrar a mesma harmonia que corpo e alma têm para uma vida saudável.

Qual sua relação com o cinema?

Comecei ver filmes com cinco anos de idade e, desde o início, fiquei fascinado. Do simples ato de gostar ou não de um filme, passei a acompanhar atores e atrizes e, mais tarde, autores da trilha sonora, roteiristas e diretores. Acredito que uma boa parte de meu interesse por outros assuntos, principalmente literatura e filosofia, tenha sido precedido pelo cinema. O cinema é uma arte completa, que abrange todas as outras. Portanto, o título de sétima arte para a dimensão que adquire é muito modesta. Onde estão os grandes escultores, pintores, compositores de música clássica etc de nossa época? Provavelmente estão participando de filmes. A percepção da importância que tem o cinema nos fez ter a oportunidade de coordenar algumas amostras de cinema na Universidade Estadual de Londrina na década de 90, como “O Médico no Cinema” e “A Relação Aluno-Professor no Cinema”, além de comentar na Associação Médica de Londrina filmes com temática variada, muito deles clássicos, onde tive a oportunidade de coordenar uma mostra denominada “Filmes de Tribunal”. Comentei muitos filmes para diversas associações (italiana, japonesa...) e tive a honra de ser convidado para comentar o filme “O Impaciente”, de Sidney Lumet,na solenidade de recepção aos novos médicos de Londrina, isto em março de 2002.Ainda mantive uma coluna na Revista Olho Mágico, do Centro de Ciências da Saúde da UEL e escrevi alguns capítulos de livros sobre cinema.

Quais os filmes que o senhor exibiu nas amostras “O Médico no Cinema” que coordenou e quais outros gostaria de ter exibido?

Apresentamos nos ciclos “De Repente, no Último Verão” (1959), de Joseph L Mankiewicz; “Em Cada Coração, Um Pecado” (1942), de Sam Wood; “Um Rosto de Mulher” (1941), de George Cukor; "Ëspíritos Indomitos” (1950), de Fred Zinnemann; “O Veredito” (1982), de Sidney Lumet; “Um Estranho no Ninho” (1975), de Milos Forman; “Tempo de Despertar” (1990), de Penny Marshall; e “Freud, Além da Alma” (1962), de John Huston. Gostaria de ter apresentado "Um Golpe do Destino (1991), de Randa Haines, e o "Barba Ruiva" (1965), de Akira Kurosawa.

clique para ampliarclique para ampliarCinema, a sétima arte. (Foto: Arquivo)

Qual a avaliação que o senhor faz sobre as amostras de cinema que coordenou?

Acredito que a identificação que um aluno pode ter com o profissional retratado na tela seja imediata, o que torna muito adequada a abordagem de aspectos humanos relacionados à sua profissão. É muito comum nos dias de hoje uma dissociação entre o alto nível educacional e a baixa maturidade que os alunos apresentam no início do curso.Além de outras abordagens importantes, como a disciplina de psicologia médica, os filmes podem ajudar no desenvolvimento de autocrítica, importância da empatia, resolução de problemas etc. Outra vantagem dos filmes é que diante de uma sociedade líquida e imagética como a nossa, onde da tela do cinema e da televisão se passou para as telas dos computadores e celulares, o hábito da leitura se torna mais fácil mediante a passagem do filme para o livro. Por fim, gostaria de citar o grande semiólogo Umberto Eco, com o seu inesquecível alerta: “Uma civilização democrática só se salvará se fizer da linguagem da imagem uma provocação à reflexão crítica, e não um convite à hipnose”.

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