Ética médica, sem ela é o fim

Antônio Carlos Lopes

O primeiro artigo do Código de Ética Médica praticamente sintetiza o que é a medicina. Trata-se de uma profissão a serviço da saúde do ser humano, da coletividade, devendo ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.

A medicina se relaciona intrinsicamente com o humanismo. Para exercê-la com grandeza, é fundamental ter princípios, respeito e amor ao próximo, além de honradez. Enfim, é necessário espírito altivo e postura ética.

Lógico que devemos ser maleáveis às transformações do meio para garantir sincronicidade entre o pensamento dos cidadãos e a prática médica. Avanços tecnológicos e mudanças de comportamento mexem cada vez mais rapidamente com nossa forma de ver o mundo. Os valores, ainda bem, não são estáticos, exigindo reflexão e revisão constante.

Enfim, a medicina precisa se atualizar para melhor atender às demandas de uma sociedade que se reinventa o tempo todo. Agora mesmo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) acaba de abrir consulta pública para reformar o Código de Ética Médica, cuja edição atual vigora desde 2010.

É primordial que eventuais ajustes venham reforçar e aprimorar a base humanista da versão vigente do CEM. Em seu capítulo I, artigo 2°, está definido que "o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional". E assim deve ser sempre.

Não devemos, jamais, ceder à visão mercantilista. Lidamos com vidas e com a saúde humana. Aí deve estar nossa prioridade.

A ética, volto a frisar, é a essência da medicina. Portanto, não podemos nos submeter às pressões de certos planos de saúde que atacam direitos dos pacientes. Não podemos nos calar diante das mazelas do sistema público de saúde, pois elas impossibilitam o exercício adequado de nossa profissão. Não é honesto aceitar qualquer

ato que tenham desdobramentos negativos à assistência.

A correção e a lealdade devem dar o tom em todas as situações e campos da medicina. Inclusive nos próprios Conselhos de Ética de hospitais.

Em mais de uma oportunidade, tive conhecimento de pacientes que buscavam uma instituição para serem atendidos por seus médicos particulares serem desviados, de forma sub-reptícia, a profissionais da operadora da saúde. Isso tem sido feito sem que os médicos que assistem a esses pacientes no dia a dia sejam avisados.

Ao recorrer aos profissionais de retaguarda desta ou daquela operadora, o hospital se exime de pagar os honorários do médico particular, com o único fim de cortar custos.

Trata-se de uma prática ilegal, e ademais perigosa, pois saúde é coisa séria e, reafirmo, não pode ser movida única e exclusivamente pela lógica do capital.

O desvio de doentes é preocupante, em especial pelo atendimento de baixo nível ofertado, na maior parte das vezes, pelas empresas da área suplementar.

Como em qualquer setor profissional, temos ovelhas não merecedoras do integrar o rebanho: se salvá-las for impossível, precisamos extirpá-las. Esse, aliás, tem de ser um dos intuitos do Código de Ética.

Desvios não podem ser aceitos em quaisquer instâncias em nosso meio. A responsabilidade que carregamos é imensa e precisamos estar conscientes. Queremos uma medicina íntegra - este é o compromisso assumido no Juramento de Hipócrates.

Antônio Carlos Lopes é Doutor em Medicina (Cardiologia) e Livre-Docente em Clínica Médica pela Escola Paulista de Medicina. Professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Artigo publicado no jornal A Tribuna (ES).

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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