Ética tem preço?

Eduardo Murilo Novak

O tema é sempre atual. Mas de um tempo para cá, no país infestado pela corrupção, a ética entrou de vez para o debate até nas mesas de restaurante. E, para mostrar um bom exemplo de que não somos só nós, brasileiros, os únicos que carecem de ética, discuto alguns vídeos que estão em redes sociais.
Em um deles, um corredor espanhol, Fernandéz Anaya, sagra-se campeão de ética por alertar um distraído queniano, que estava à sua frente na competição, de que a corrida ainda não tinha terminado, pois faltavam 10 metros para, aí sim, poder diminuir o passo como vinha fazendo. O atleta do Quênia pensava ter concluído a prova e, com esse seu descuido, Anaya ganharia a corrida. Mas, repleto de ética, o espanhol avisou-o e, com isso, o queniano venceu. O espanhol foi muito reverenciado, vez que manter a compostura diante das oportunidades ilícitas que vez ou outra aparecem é algo raro no mundo de hoje.
Em outro vídeo, um filósofo derrama-se em elogios ao atleta da Espanha, pois sua atitude vinha do fundo do coração, e que, por ser tão natural agir dessa maneira, o corredor nem mesmo entendia o porquê de tanta surpresa por parte da imprensa, pois nada mais fez do que seguir preceitos éticos. Além disso, não merecia ganhar porque não teria o que dizer para sua mãe, que o veria aproveitar-se de uma situação escusa apenas para figurar no rol dos campeões.
Pesquisando o noticiário da época, vê-se que se tratava de uma prova de cross country em Navarra, na Espanha, e não estava em disputa nenhum título de grande importância – a não ser, segundo Anaya, diante daquelas circunstâncias, a possibilidade de dizer que venceu um medalhista olímpico.
O técnico do espanhol indignou-se com a atitude de deixar o queniano vencer e disse que Anaya tornou-se uma pessoa melhor, mas não um melhor atleta. Segundo o jornal El País de 19 de dezembro de 2012, Anaya disse que, de fato, o outro corredor merecia ganhar, a não ser que...
Aí vem algo bastante interessante. Anaya ressaltou que, se estivesse em jogo uma medalha europeia ou mundial, aí sim, seu pensamento poderia mudar e ele exploraria a situação. Ou seja, enquanto se tratasse de uma prova sem muita importância, valia deixar vencer quem tinha o direito de ganhar. Mas, se o preço fosse outro – um torneio mundial –, aí a ética, a complacência, o fair play seriam deixados de lado e se aplicaria a lei do atleta, segundo a qual não basta apenas a melhor técnica; necessário também conhecer e cumprir as regras do jogo.
Ora, quando se trata de ética, não existe “a não ser que”. Ética é incondicional, não subsiste pela metade; ninguém pode ser “quase 100% ético”. Mas, para o espanhol, existia algo como “não explorei a desatenção do queniano apenas porque era um evento de menor porte; minha ética terminaria quando entrasse em cena algo maior”.
O que se aprende com a narrativa? Duas coisas: que seja lá, cá, acolá, é cada vez mais raro encontrar pessoas éticas, que agem realmente pensando no outro; por segundo, que, antes de repassarmos “correntes”, deve-se investir um tempo para verificar a autenticidade de uma história.
*Eduardo Murilo Novak é mestre e doutor em Cirurgia, conselheiro do CRM-PR e professor de Ética e Bioética em cursos de formação médica.
** Artigo publicado no portal da Gazeta do Povo em 6 de novembro de 2020.
***As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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