Eventos científicos e a prática médica

Na medida em que se vive a democratização plena dos conhecimentos científicos e da informação, via internet, e com as facilidades da educação médica a distância, dos cursos informatizados, recheados de "truques" pedagógicos facilitando o ensino e o aprendizado, será que ainda têm valores e méritos os eventos científicos promovidos pelas sociedades de especialidades?

Vale algumas reflexões! Desde há muito participo da vida acadêmica, associativa e da prática clínica diuturna. No período em que exerci a diretoria científica e cultural da Associação Médica do Paraná e da Sociedade Brasileira de Clinica Médica, pude delinear um perfil da categoria médica neste contexto, até porque as angústias de quem promove estão nas expectativas do comparecimento de convidados e congressistas, do programa que agrade, motive e corresponda e, também, do orçamento que não gere prejuízos em tempos em que os tradicionais patrocinadores (leia-se indústria farmacêutica e de equipamentos) se retraem e focam o "marketing" em produtos específicos e em "nichos" de mercado.

Assim, constatamos que cerca de 30% dos colegas nunca comparecem e participam de nenhuma atividade, mesmo das chamadas "bocas-livres", enquanto 20% são freqüentadores sazonais, motivados por interesses pontuais em função de concursos, imposições institucionais, vantagens curriculares e outras. Mais 20% são os facultativos, que abiscoitam oportunidades e facilidades propiciadas pela indústria farmacêutica e afins - tem um comportamento recreativo - e o que mais importa é o programa social (gastronômico) do evento. Os demais 30% são os assumidos, fiéis e compromissados com estas atividades (e são sempre os mesmos), definindo um comportamento singular de médico, com boa desenvoltura social e, regra geral, com sólida base de conhecimentos científicos, culturais e artísticos; nteragem com facilidade na comunidade, sendo na grande maioria bem-sucedidos profissionalmente, politizados e cônscios de seu papel social.

Em tempos de relações descartáveis, vínculos superficiais, descompromisso com a interação (compromisso só com as "conveniências e vantagens"), os médicos que sempre foram contidos e retraídos - haja visto as dificuldades em se mobilizar a classe na defesa de interesses comuns - aprofundam estas atitudes. São os "lobos solitários" que personificamos, esvaziando progressivamente os quadros associativos e os eventos programados.

Então nos perguntamos: qual o verdadeiro sentido e valor em congressos, simpósios e jornadas presenciais?

Em primeiro lugar, a convivência com os pares, relacionamento com gerações de valores diferentes, exercício da autocrítica conseqüente e transformadora, além da descoberta de necessidades pessoais de aprimoramento. Tomar ciência das políticas de saúde, do ensino médico e das dificuldades do mercado de trabalho que tanto nos avilta e empobrece.

É na contra-regulação e no debate que nos conhecemos melhor e nos enriquecemos.

A atualização do saber é imperativo; tarefa impossível na individualização, dado a sua abrangência, complexidade e volume.

É importante se destacar que uma simples apresentação científica exige do professor 30 horas ou mais de trabalho de pesquisa, concepção e adequação dos conteúdos.

O comparecimento e o aumento progressivo dos alunos da graduação e pós-graduação, com produção científica respeitável, têm demonstrado claramente que estes eventos são cenários adequados de complementação da formação e instrumento da inclusão na iniciação científica, tão necessários ao aprimoramento individual.

A medicina clínica é uma profissão portátil, depende tão somente do conteúdo instrumental de uma maleta; oferecemos nossos préstimos que, em essência, compõe-se de tempo, conhecimento, experiência, credibilidade, confiabilidade e segurança, o que pode parecer pouco aos menos avisados e ingênuos.

Mas não nos iludamos que só há um caminho a ser trilhado, apesar de todas as adversidades: o da superação por meio do conhecimento, da motivação pela provocação construtiva e do desempenho profissional com proficiência e profissionalismo, que nos faz diferentes um dos outros, com suas respectivas densidades.

Estas competências e habilidades também adquirimos, exercitamos e cambiamos nos eventos científicos.



César Alfredo Pusch Kubiak é vice-presidente da SBCM, Presidente da SBCM/Regional Paraná e Professor Universitário

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