Evolução do Biodireito com enunciados do CNJ

Daniela Xavier Ártico de Castro

A medicina e a tecnologia evoluem em maior rapidez que o Direito, de modo que questões relacionadas à reprodução assistida acabam julgadas com base na analogia.

O Conselho Nacional de Justiça publicou recentemente 45 Enunciados, que, apesar de não terem efeito vinculante, possuem grande autoridade doutrinária, servindo de referência interpretativa, gerando uniformização e celeridade nas decisões, fatores esses essenciais para que a Justiça seja alcançada no Brasil. Com a vinda desses Enunciados, a comunidade jurídica brasileira terá grande auxílio na interpretação dos casos que envolvam os temas relacionados ao direito da saúde.

Eles traduzem evolução para os que buscam a solução de conflitos e veem nas mãos dos magistrados a missão de decisão de direitos personalíssimos, como é o caso dos Enunciado 42 e 43, que estabelecem que a cirurgia de transgenitalização é dispensável para a retificação de nome e sexo jurídico junto ao registro civil. Basta, portanto, que o indivíduo comprove incongruência entre a identidade determinada pela anatomia de nascimento com a identidade sentida, não sendo a cirurgia condição essencial para a mudança de sexo civilmente.

Dos nove Enunciados sobre Biodireito, quatro se referem à reprodução assistida, tema de grande relevância para a sociedade, que tem maior acesso à esse tratamento. Consequentemente, a probabilidade de conflitos cresce na mesma proporção.

A ciência médica e a tecnologia evoluem em maior rapidez que o direito, de modo que questões relacionadas à reprodução assistida acabam sendo julgadas com base na analogia, nos princípios gerais do direito e resoluções do Conselho Federal de Medicina. Nesse contexto, os Enunciados, além de caracterizar uma evolução do direito nessa área, serão valiosa ferramenta na decisão sobre conflitos gera dos entre as partes envolvidas em delicadas situações.

O Enunciado 39 estabelece que, em se tratando de reprodução assistida, o estado de filiação não decorre apenas do vínculo genético, mas deve se prevalecer a manifestação inequívoca de vontade das partes. Já o 40 prevê que é legítima a inclusão de no me de duas pessoas do mesmo sexo como pais, no caso de reprodução assistida. Na sequência, o 41 afasta a limitação de idade para mulheres que desejam se submeter ao tratamento e à gestação por reprodução assistida. E, na hipótese de gestação por substituição, popularmente conhecida como "barriga de aluguel", o 45 determinou que o vínculo de filiação deve contemplar os autores do projeto parental e não a doadora da barriga.

Por fim, cumpre analisar o 37, que trata da declaração de vontade de pacientes, também conhecida como "testamento vital", no qual o paciente pode optar antecipadamente pelos tratamentos a que será submetido quando estiver impossibilitado de se comunicar autonomamente. O referido Enunciado define que a declaração poderá ser feita de duas formas: particular, na presença de duas testemunhas, ou instrumento público.

O paciente poderá expressar, por exemplo, se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos (medicamentoso ou cirúrgico) dolorosos ou extenuantes, ou mesmo a reanimação na ocorrência de parada cardiorrespiratória. Essa opção não se configura eutanásia (abreviação da morte), mas tão somente o respeito ao seu desejo dentro de um contexto de terminalidade de sua vida, preservando a autonomia do indivíduo nos momentos que antecedem sua morte.

Artigo escrito por Daniela Xavier Ártico de Castro, advogada, publicado no Brasil Econômico.

*As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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