Fábricas de médicos


Imagine um país com dimensões geográficas de um continente e que esteja experimentando uma situação constrangedora pela inadequada formação profissional em setores essenciais, como o da saúde.

Neste país, existem cerca de 160 faculdades de medicina, quase todas mal equipadas, com carência ou deficiência de um corpo docente e preponderância de um único objetivo: o lucro. As dezenas de milhares de médicos por elas diplomados anualmente, número bem acima do necessário para as carências nacionais e o mercado de trabalho, são despreparadas para exercer a prática médica.

Este país não é, como se poderia depreender, o Brasil. Trata-se dos Estados Unidos que, no início do século passado, apresentava, juntamente com o Canadá, uma crítica e insustentável proliferação desordenada de escolas de medicina, a maioria delas com currículo inadequado. Naquela época, a Associação Médica Americana e o governo dos EUA acertaram a realização de uma completa avaliação pedagógica em todas escolas de medicina e convidaram para coordenar este projeto um especialista em educação, o professor Abraham Flexner, que visitou todas as faculdades entre os anos de 1906 a 1910.

Sul


Suas conclusões tiveram um grande impacto não só no meio educacional, mas, também, na opinião pública norte-americana e canadense, pois demonstrava que mais de 90% de todas as faculdades de medicina não ofereciam as mínimas condições de funcionamento, seja por não terem infra-estrutura técnico-operacional, seja porque o seu currículo e o corpo docente eram inadequados e deficientes.

Dentre suas conclusões, Flexner sentenciou que o progresso exigiria um número menor de faculdades de medicina, melhor equipadas e melhor conduzidas, e que as necessidades do público exigiriam a formação de um número menor de médicos, mas melhor treinados.

Adotado "in totum", o Relatório Flexner foi aplicado a todo o sistema de formação médica estadunidense e canadense. Após duas décadas de definitiva implantação, foram fechadas 94 faculdades de medicina. Estabeleceu-se, em conseqüência, o denominado "State Board", prevalente até os dias atuais, responsável por aferir a capacitação técnica do recém formado em medicina. No Brasil, ocorreram duas ondas de proliferação exagerada de faculdades de medicina: a primeira nos anos 60, quando existiam 29 faculdades, chegando na década seguinte ao número 73. A segunda onda se deu nos anos 90 e ao findar do século. Hoje já se contam 160 escolas de medicina no Brasil, resultado da banalização do ensino superior.

Ao comemorar o centenário do Relatório Flexner, observamos, entristecidos, a atual situação brasileira: faculdades mal estruturadas e deficientes na formação de futuros médicos. Basta verificar a avaliação do MEC quanto ao Exame Nacional de Cursos.
Agora mesmo, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo instituiu um exame de qualificação não obrigatório para os recém formados e os resultados demonstram que cerca de 40% deles não dispõem de formação suficiente para resolver os problemas básicos de saúde da população.


Artigo escrito por José Geraldo de Freitas Drumond, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), e publicado no jornal Hoje em Dia (MG) - 19/02/2007

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