22/05/2019

Homenagem aos Pioneiros: Dr. Adyr Soares Mulinari (CRM-PR 354)

Irmão, pai, avô, tio e sogro de médicos, o professor foi um dos fundadores da Sociedade Paranaense de Nefrologia e integrou as três primeiras gestões de conselheiros eleitos do CRM-PR, de 1959 a 1973

A nefrologia paranaense não seria a mesma sem o Prof. Dr. Adyr Soares Mulinari (CRM-PR 354). Falecido no dia 1º de dezembro de 2017, aos 90 anos, ele foi um dos pioneiros na área, sendo responsável pela implantação dos primeiros serviços no Hospital de Clínicas e um dos fundadores da Sociedade Paranaense de Nefrologia. Foi ainda esportista (superando até mesmo deficiência física após acidente de trânsito), aventureiro com seu motorhome, ativo defensor do meio ambiente e colecionar de carros clássicos e antigos.

clique para ampliarclique para ampliarDr. Adyr e a esposa Brasília, com quem casou no início dos anos 1950. (Foto: Arquivo da família)

Era já renomado professor na Universidade Federal do Paraná (onde fez parte do corpo docente por quase quatro décadas) quando ajudou a compor o primeiro grupo de conselheiros eleitos para o período de 1959 a 1963 do CRM-PR. Também integrou as gestões de 1963-1968 e a de 1968-1973. No mandato seguinte, o irmão dele, Dr. Acir, foi também conselheiro. O Dr. Adyr foi acadêmico titular da Academia Paranaense de Medicina, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), da Associação Brasileira de Ensino Médico (Abem) e do Centro Cultural Brasil Estados Unidos (Inter Americano). Compôs ainda a diretoria da Associação Médica do Paraná na gestão 1960 a 1962.

O Dr. Adyr Mulinari não apenas ajudou na formação de centenas de médicos, mas propagou a Medicina em seu próprio seio familiar, a começar pelos dois irmãos, três dos filhos e ainda três entre os 11 netos. O irmão Acir (CRM-PR 1180) formou-se em 1934 e se especializou em Patologia. Nascido em janeiro de 1934, ele faleceu em 2005. Fundador do laboratório da Santa Casa de Curitiba, hoje ele empresta nome ao Largo Doutor Acir Mulinari, no bairro Água Verde. O Dr. Augusto Soares Molinari (CRM-PR 2148), com sobrenome grafado com “o”, graduou-se em 1965 pela UFPR e seguiu a Pediatria. Em 2015 ele foi homenageado pelo Conselho de Medicina, que lhe conferiu o Diploma de Mérito Ético na passagem do Jubileu de Ouro.

clique para ampliarclique para ampliarDr. Adyr e os netos e ao lado de um Ford de sua coleção. Família e carros antigos, duas de suas maiores paixões, ao lado da medicina e esportes. (Foto: Arquivo da família)

Dos cinco filhos do Dr. Adyr, três também se tornaram médicos. O primeiro deles foi o Dr. Rogério Andrade Mulinari (CRM-PR 6240), formado em 1978 pela UFPR e que seguiu seus passos nas especialidades de Clínica Médica e Nefrologia. O Dr. Leonardo Antonio Mulinari (CRM-PR 9999), nascido nos Estados Unidos no período em que o pai lá se especializava, graduou-se pela PUCPR em 1985 e obteve títulos em Cirurgia Geral e Cirurgia Cardiovascular. A Dra. Fabiane Andrade Mulinari Brenner (CRM-PR 15.266) formou-se pela Federal em 1995 e seguiu a Dermatologia, inclusive compondo o corpo docente da UFPR. Ela é casada com médico, a exemplo da irmã Adriane, que mora nos Estados Unidos. A terceira irmã, Cristiane, é casada com filho do saudoso Dr. Plínio de Mattos Pessoa (CRM-PR 367), renomado pediatra e que também integra a galeria dos Pioneiros no Especial de 60 anos do Conselho.

Trajetória

Inscrito no CRM-PR em 20 de agosto de 1958, o Dr. Adyr Mulinari foi distinguido em 2002 com o Diploma de Mérito Ético-Profissional, na passagem do jubileu de ouro e histórico exemplar na profissão. Mas esse foi apenas um dos muitos reconhecimentos que conquistou.

Em setembro de 2008, a Fundação Pró-Renal Brasil criou, por ocasião do Congresso Brasileiro de Nefrologia realizado em Curitiba, o Prêmio Adyr S. Mulinari, com o objetivo homenagear, anualmente, um nefrologista que reconhecidamente tenha contribuído no Brasil para a especialidade. No mesmo ano, ele recebeu o título de Professor Emérito da Federal, distinção que alcançou ainda os pares Gastão Pereira da Cunha e Ricardo Pasquini.

clique para ampliarclique para ampliarCiclismo estava na preferência entre os esportes de que gostava, mesmo após o acidente. (Foto: Arquivo da família)

Recuperar e colecionar carros antigos sempre foi dos um hobbies do Prof. Mulinari. Ele mesmo fazia questão de “mexer na graxa”. Integrante do Veteran Car, tinha várias relíquias em sua coleção, incluindo um Ford 1929 modelo A-Tudor, tipo limusine, e um Ford 1930 modelo A Phaeton, conversível quatro portas. Fazia questão inclusive de dirigir alguns dos exemplares raros. Perdeu uma perna ao ser atropelado por um veículo quando pilotava a moto de um amigo. Tinha 52 anos. Prótese bastante sofisticada permitiu-lhe uma vida quase normal.

Uma entrevista gravada pelo editor do Portal Med On Line, da Sociedade Brasileira de Nefrologia foi publicada em fevereiro de 2018, logo depois da morte do Prof. Adyr. Em forma de bate-papo, a descontraída, reveladora e autêntica entrevista teve as participações dos Drs. Istênio Pascoal, Cibele Isac Saad, Rogério Mulinari e Augusto Lafitte. O ilustre médico e professor fala sobre tudo, da sua carreira, sobre política – inclusive no ambiente da universidade –, coleção de carros e família, sua grande paixão, a começar pela esposa, D. Brasília, que considerava o seu esteio. Brinca, em determinado momento, com a passagem com um  dos netos, que certa feita se surpreendeu ao descobri-lo médico, e não mecânico, como supunha por vê-lo muitas vezes mexendo nos carros antigos sob reparos.

Merece leitura a entrevista (clique aqui) e também o artigo de autoria de um dos filhos, o também médico e professor Dr. Rogério Andrade Mulinari, publicado no Jornal Brasileiro de Nefrologia e que reproduzimos abaixo.

O ARTIGO

“Adyr nasceu na primavera de 1927 em Curitiba, filho primogênito de D. Maria da Luz e de Santo Mulinari. O jovem Adyr percebeu já na adolescência su

clique para ampliarclique para ampliarNa formatura em medicina, em 1951. (Foto: Arquivo da família)

a necessidade de descobrir o funcionamento das coisas da época, criar o novo, muitas vezes transformando em novas aplicações o já obsoleto. Foi esportista amador de alpinismo, basquete, natação, acampamento e, sobretudo, ciclismo.

Viveu uma época em que era imperioso para um jovem sem fortuna patrimonial demonstrar força física e moral, para merecer um lugar de destaque na comunidade. Aprendeu que aquela força devia ser acompanhada de estudo, esporte, socialização, aliada à coragem de defender suas posições, sem jamais fraquejar ou retroceder. Estas características permeariam sua vida, dando origem a sua franqueza, fonte de algumas confrontações memoráveis.

A paixão por estudar Medicina, nascida na infância, persistiu na sua juventude. Entretanto, duas barreiras desafiavam o seu futuro. A Universidade do Paraná, inaugurada em 1912, era uma universidade privada e de custas elevadas, e oferecia o único curso de Medicina do Paraná. O jovem Adyr superou a primeira barreira trabalhando em um escritório de contabilidade. A segunda, o já concorrido vestibular para uma das 90 vagas da Medicina, foi enfrentada com estudo e um curso preparatório. Graduou-se médico em 1951 na Universidade do Paraná, recém federalizada (UFPR).

clique para ampliarclique para ampliarDr. Adyr, em quatro momentos distintos. (Foto: Arquivo da família)

Dr. Mulinari iniciou sua carreira como cirurgião urológico em Curitiba, tendo como mentor o Prof. João Átila Rocha. Foi assistente dedicado, operando no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, então hospital-escola da UFPR. Ser contratado como instrutor de ensino do Departamento de Cirurgia da Universidade preencheu uma grande paixão: a vida acadêmica. Sua ânsia por descobrir o novo lhe permitiu preparar um material sobre tuberculose renal que originaria a tese de Professor Titular do Prof. Átila. Entretanto, ele já desejava mais que ser um exímio operador e professor de medicina. Tinha ânsia pela inovação.

Soube, em 1959, da primeira oferta de bolsa da Fundação W. K. Kellogg para aprimoramento de professores de medicina da Universidade nos Estados Unidos da América. Novos desafios se seguiram, como dominar a língua inglesa, obter a chancela da Administração da Universidade, passar com sucesso na seleção e nos exames do “Board”, facultando exercer a Medicina na América.

Adyr, que jamais havia tido contato com outro idioma, foi apresentado à jovem instrutora de inglês Laila Cury. Ela reconheceu que ele precisava de muito auxílio e esforço pessoal para, no intervalo de alguns meses, dominar o novo idioma, escrito, falado e compreendido. Pactuaram que, após o trabalho, ele estudaria inglês diariamente com Laila.

O desafio de obter a chancela da Administração da Universidade foi vencido graças a uma oportuna tensão, quando o diretor da Faculdade de Medicina indicou um docente sem consultar o então reitor Flavio Suplicy de Lacerda. O reitor, em resposta, indicou um segundo, o jovem professor, Mulinari. Concluída a seletiva da Fundação, Adyr seguiria em 1960 para seu almejado treinamento em uma especialidade da medicina que se desenvolvia, a Nefrologia. Cirurgião de formação, escolheu como mentor para o desafio de alcançar proficiência em Clínica Médica o Professor Lysandro Santos Lima, eminente clínico e propedeuta em Curitiba.

Iniciou seu treinamento com um ano de Clínica Médica na Columbia University, em Nova Iorque, para depois seguir para Seattle, na University of Washington, com Belding Scribner. A sua formação nefrológica foi estendida ao final de 1962, também em Saint Louis, onde, indicado por Scribner, mostrou o que fazia em Seattle, e na Cleveland Clinic, com Willem Kolff.

clique para ampliarclique para ampliarCom os dois filhos médicos Rogério e Leonardo, recebendo o Diploma de Mérito Ético. Abaixo, os Drs. Fabiane e Leonardo. (Foto: Arquivo)

Retornando a Curitiba, em abril de 1963, foi o articulador do início da Residência em Clínica Médica no Hospital de Clínicas da UFPR. Também implantou o terceiro ano de residência em Nefrologia, com o primeiro residente sendo Altair Jacob Mocelin, em 1967, que seguiria para Londrina em 1968 e realizaria o primeiro transplante do Paraná, em 1973. Foi o primeiro de muitos orientados que contribuíram para o crescimento da Nefrologia no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Palestrante cativante, dominou incontáveis plateias a convite de cidades das mais diversas regiões pelo Brasil, compartilhando com naturalidade o que aprendeu.

Desenvolveu um programa pioneiro de diálise crônica no Brasil, com hemodiálise utilizando o shunt de Scribner e diálise peritoneal intermitente, em meados dos anos 60, inicialmente no Hospital de Clínicas com a enfermeira Alice de Lima e o Professor Augusto Laffitte e, mais tarde, no Hospital Nossa Senhora das Graças, entidade filantrópica de Curitiba. Sua liderança agregou esforços e competências para constituir o Centro de Pesquisas Nefrológicas na UFPR, com apoio do Governo do Paraná. Em 1977, compôs um trio de pesquisadores do Departamento de Clínica Médica para criar o Mestrado em Medicina Interna.

Foi Professor Titular de Nefrologia na UFPR, participando da formação de incontáveis profissionais, tanto na Clínica Médica quanto na Nefrologia. Além do ensino e da pesquisa, desenvolveu atividades de gestão acadêmica, como Chefe do Departamento de Clínica Médica, Coordenador da Pós-Graduação em Medicina Interna e Diretor de Ciências da Saúde. Foi ainda Presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia-SBN, da Associação Brasileira de Ensino Médico-ABEM e do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos ‑ Inter-Americano.

clique para ampliarclique para ampliarProf. Rogério Mulinari, o filho mais velho e autor do artigo. (Foto: Arquivo)

Médico e Professor Emérito de princípios rígidos, tinha no ensino médico e na UFPR a primeira e a segunda de suas grandes paixões. Primeiro membro de sua família a alcançar um diploma universitário, foi inspirador para seus irmãos, primos, filhos, sobrinho e netos, e a centenas de jovens médicos. Estudioso, manteve sua atualização na ciência médica mesmo depois de encerrar sua prática privada aos 80 anos.

Brasília, com quem se casou em 1954, foi aquela que acompanhou a todas as ousadias de Adyr, as noites e madrugadas de trabalho incessante, o estudo contínuo, o domínio do inglês, os períodos de aprendizagem na América, e mais tarde mesmo nas suas aventuras de “motorhome” pelo Brasil. Minha mãe, de meu irmão e de três irmãs, foi sempre dedicada e exigente, e fez companhia a ele em todos os momentos.

Adyr foi pai atencioso, de disciplina rígida, mas sensível e amigo, mesmo com suas múltiplas atividades. Capaz de compreender nossas fragilidades e apoiar e estimular o engrandecimento dos filhos, sempre para comportamento ético e humanista. Habilidoso e criativo, ensinou a todos que enfrentar desafios, pequenos e grandes, é que dá sentido na vida.

clique para ampliarclique para ampliarFicha de inscrição no CRM, em 1958. (Foto: Reprodução.)

Um acidente de motocicleta aos 52 anos sacrificou seu joelho e perna direitos. Alertado por Santo, seu pai, ele percebeu que não perdeu uma perna, mas que ganhou uma vida. A deficiência física não lhe impediu de viver plenamente sua família, seus amigos, seu trabalho, e também suas paixões, seus desafios e suas realizações. A mobilidade, definida por ele como “o presente da vida”, foi alcançada com inovações em próteses, veículos e triciclos dos mais diversos, em sintonia com sua criatividade e índole irrequieta.

Adyr ensinou pelo exemplo aos filhos e a todos os que tocou ao longo de sua jornada, recomendando que 'conhecimento, sabedoria, busca da perfeição, trabalho árduo e esperto, lealdade e persistência, aprendizado com as dificuldades e habilidade de avaliar o contraditório dão poder e conduzem ao sucesso.'

Adyr, o médico, o professor, o pai, o amigo deixa legados marcantes nos que tiveram o privilégio de com ele conviver até 1º de dezembro de 2017.”

VULTOS DA MEDICINA

O CRM-PR é receptivo e agradece eventuais informações adicionais que possam enriquecer o conteúdo deste material ou de outras personalidades da história da Medicina paranaense.

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