16/05/2007

Hospitais psiquiátricos pedem ajuda


Estima-se que 40 mil pessoas com doenças mentais perambulem pelas ruas e praças nos municípios do Paraná. Enquanto o reajuste do SUS não vem, os hospitais psiquiátricos
precisam tirar leite de pedra para tratar os pacientes com R$ 28 por dia.



Quanto você paga por uma diária em um hotel modesto?
Seriam necessários, ao menos, R$ 45 para se hospedar em um hotel com apenas o café da manhã incluso. Naturalmente, se pensarmos em um hospital psiquiátrico, onde o paciente necessita de uma série de cuidados
especializados, o preço seria maior correto? Não. Não é o acontece no Brasil. Aqui, o Sistema Único de Saúde (SUS) repassa aos hospitais uma diária irrisória de R$ 28 por leito - uma situação que está levando muitos hospitais dedicados à saúde mental a fecharem as
portas.

Segundo a diretora de psiquiatria da Federação dos Hospitais do Paraná, Maria Emília Mendonça, a situação dos hospitais psiquiátricos beira o calamitoso no interior do Estado. Ela conta que, desde que a portaria que recomenda a 'deshopitalização' entrou em vigor, em 2004, os hospitais psiquiátricos vêm sofrendo com o estrangulamento de repasses de verba.

A idéia do Ministério da Saúde é acabar com os leitos psiquiátricos e, aos poucos, substituir o tratamento, que antes era concentrado na internação, por uma rede comunitária de atenção psicossocial. Compõem essa rede, os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), os ambulatórios de assistência psiquiátrica, as residências terapêuticas e outras instituições de assistência para pessoas que sofrem de doenças como depressão, esquizofrenia, distúrbio bipolar e até assistência a dependentes de drogas.

Ela conta que, em Curitiba, a situação não é tão precária porque a Secretaria Municipal de Saúde suplementa a verba recebida pelo SUS, para que o total da diária chegue a R$ 50. "Este é um valor de sobrevivência. A utopia dos hospitais psiquiátricos é operar com uma
diária de R$ 136,70 para a constante modernização dos equipamentos médicos", conta Maria Emília, que é também diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá.


Chinelos

"Comprei 200 pares de chinelos no mês passado e já acabou. Os pacientes que chegam aqui são muito carentes. Não têm para onde ir, chegam com a camiseta rasgada, com os pés no chão", explica a diretora. Para ela, os CAPS do interior não estão dando conta do recado,
porque não atendem a pacientes com distúrbios mentais graves, e como o SUS remunera mal, muitos hospitais estão descredenciando seus leitos psiquiátricos. "Assim os outros hospitais ficam sobrecarregados. O que já está acontecendo é a desassistência psiquiátrica".

No Paraná, uma portaria da Secretaria de Saúde institui que se tenha 0,45 leito de psiquiatria por mil habitantes. O Paraná tem 10 milhões de habitantes, o que significaria dizer que o Estado deveria ter 4.500 leitos. Maria Emília diz que atualmente existem apenas 2.600 leitos credenciados pelo SUS para atender a população - um número que pode
ser ainda menor, pois muitos hospitais se descredenciaram no início do ano.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (SESA), os dados são outros, mas mesmo assim, ainda está abaixo do recomendado pelo próprio órgão - 3.080 leitos psiquiátricos credenciados pelo SUS no Paraná. A coordenadora de saúde mental da SESA, Cleuse Barleta, contabiliza 16 hospitais com 2.447 leitos psiquiátricos integrais e mais 6 hospitais-dia com 450 leitos e outros 173 leitos em hospitais gerais e 10 leitos em duas CAPS tipo 3. Ela cita ainda 21 residências terapêuticas, que fazem um trabalho assistencial.

Maria Emília explica que a Federação Brasileira dos Hospitais está acionando o Ministério da Saúde, na Justiça, para conseguir fazer com que a tabela psiquiátrica seja reajustada. Enquanto esses reajustes não chegam, Emília conta que seria necessário que a SESA fizesse
uma suplementação para completar a verba para os hospitais do interior.

"A gente vem pagando para trabalhar. Hoje, os hospitais psiquiátricos credenciados estão funcionando à custa do endividamento dos seus diretores e, é claro que o Ministério da Saúde contava com isso. Somos profissionais éticos, não vamos deixar de atender os pacientes que vêm aqui", pondera.

A coordenadora de Saúde Mental da SESA se defende e diz que fazer essa suplementação é contra a lei. "Quem tem que pagar os hospitais psiquiátricos é o Ministério da Saúde. Ele que é o responsável, não o Estado. Nós estaríamos burlando o sistema. O que pudemos fazer quando os hospitais nos pediram um repasse foi encaminhar o pedido ao Ministério da Saúde", conta Cleuse.

A coordenadora explica que, desde a publicação da portaria do Ministério da Saúde n.° 52 de 21 de janeiro de 2004, a prioridade para a SESA é investir na rede comunitária de assistência. "A prioridade está realmente na instalação dos CAPS, ambulatórios e leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Não tem por que o Estado suplementar só a verba dos
hospitais psiquiátricos. Se eu for suplementar vou ter que dar o mesmo tratamento aos hospitais gerais também", avalia. A coordenadora não quis fornecer o custo da diária de um paciente atendido no CAPS, mas diz que os valores são equivalentes ao tratamento em
um hospital.

Cleuse diz ainda que, quando foi acionada pelos hospitais psiquiátricos, ofereceu abertura de vagas para tratamentos de adolescentes. "Como esse é um paciente mais sujeito à drogadição, nós quisemos priorizar o atendimento para jovens, mas nenhum hospital quis abrir vagas para adolescentes", afirma. Mas, a diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá, Maria Emília, assegura que não poderia abrigar adolescentes no hospital, já que não conta com a estrutura que exige o Estatuto da Criança e do Adolescente para cuidar destes pacientes.

"Eles precisam de espaços exclusivos e preciso separar as meninas dos meninos. Não pode ser misto como eles estavam oferecendo. Tanto que no hospital de Cascavel, que foi o único que aceitou os leitos, os adolescentes se rebelaram lá e colocaram fogo na unidade", conta a diretora.


Fechando as portas

No fogo cruzado entre falta de reajuste do SUS e sem suplementações, um caso emblemático ilustra a situação dos hospitais psiquiátricos do interior. O Hospital Filadélfia, no município de Marechal Cândido Rondon, no oeste do Estado, é o único a fazer atendimentos de doenças mentais, em um raio de 190 quilômetros. Desde o início de março ele reduziu pela metade o número de leitos - de 240 foi para 120. O prejuízo acumulado pelo hospital, no ano passado, chegou a 856 mil reais. O hospital abrange 102 municípios e vai fechar as portas em julho, caso não haja repasse de mais verbas.

Sem condições de atendimento no interior, muitos pacientes procuram o Hospital Psiquiátrico San Julian em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba, para se tratar. O diretor-geral do hospital, Alexandre Daciuk, afirma que a maioria dos seus pacientes vem do interior do Estado - municípios como Castro, Pato Branco, Telêmaco Borba, São João do Triunfo - um reflexo da falta de vagas em hospitais psiquiátricos no interior. "Temos uma média de 62 pacientes por mês de Curitiba. Do interior a média sobe para 200 pacientes mensais", contabiliza Daciuk.

Ele conta que o hospital também opera no vermelho. "Nosso atendimento é 100% pelo SUS e todo mês temos um déficit de R$ 60 mil. A gente trabalha no limite", diz. O diretor explica que há mais de 10 anos os valores da diária não são reajustados pelo SUS, mas as contas continuam aumentando. "Só os dissídios das categorias que atuam no hospital, em
cinco anos acumularam em 25% de aumento". Ele afirma que, mesmo há dez anos atrás, a diária de R$ 28 não era suficiente. "Temos uma dívida patrimonial de R$ 6 milhões acumulada desde 1999. A gente não pensa em fechar, ainda, mas a situação é crítica", explica.

Maria Emília fica indignada com a situação. "A gente está gastando menos por paciente que o Paraguai. Na América Latina, somos o País que menos gasta com psiquiatria. O SUS paga R$ 28,00 por paciente. No Paraná, um preso custa R$ 35,00 por dia. Isso é para lá de insuficiente. A situação é intolerável", comenta a diretora.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 30% da população mundial, um dia, vai precisar de tratamento psiquiátrico para depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, psicoses por consumo de drogas. A organização também recomenda uma quantidade de leitos de um para cada mil
habitantes.

Daciuk conta que o Hospital San Julian tem 400 leitos e uma taxa de ocupação de 99%. "Faltam leitos de psiquiatria, mas o grande problema é o pós-alta.

Precisaria ter um trabalho social com os pacientes, muitos são andarilhos. Tenho pacientes com o tempo de permanência vencendo, temos que dar alta, mas ele não têm para onde ir", lamenta. O diretor concorda com o tratamento que o CAPS oferece, mas diz também que eles são insuficientes para atender a demanda.

"Tem que fazer um trabalho de continuidade pós-alta. Nem todos os pacientes precisam ficar internados, mas todos devem ter o acompanhamento do CAPS. Precisa ter um trabalho social mais bem projetado e melhor valorizado" explica Daciuk.

Maria Emília também considera a falta de informação e o preconceito como agravantes para o problema do tratamento psiquiátrico. A diretora ataca a demonização dos tratamentos psiquiátricos com eletro-choque. "O Brasil é o único país do mundo que não faz tratamento com eletro-choque. Na Inglaterra já existe um tratamento em que é implantado um dispositivo subcutâneo. O paciente, quando tem crises, aperta o dispositivo que aciona um chip implantado no cérebro e dá um choque de 3 a 4 ampéres no cérebro e ele fica bem", conta. Segundo Maria Emília, falta esclarecimento à população e faltam ações de prevenção e diagnóstico. "A gente sempre vê os stands de hipertensão, as campanhas feitas para que as pessoas conheçam a doença e o alerta para que tratem, mas a gente não vê isso acontecendo com depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia", afirma.


CAPS

A coordenadora de Saúde Mental da SESA explica que existem três tipos de CAPS: a infanto-juvenil, a de atendimento geral e a de drogadição. "Fazem parte das equipes médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros técnicos em enfermagem e outros como artesãos, para ensino de alguma atividade. A equipe segue uma lógica de reabilitação, que faz também um trabalho junto às famílias", completa.

Segundo a SESA, atualmente existem 72 CAPS em funcionamento no Paraná, que oferecem 14.680 vagas para tratamento com serviços abertos. Mais 28 CAPS estão em implantação, que vão totalizar 19.835 vagas. Para Cleuse, a discussão em torno dos leitos em hospitais psiquiátricos "acontece em decorrência de uma nova abordagem para o tratamento psiquiátrico".

O discurso de tratamento multidisciplinar continua nas portarias do Ministério da Saúde e da Secretaria enquanto isso, estima-se que cerca de 40 mil pessoas com doenças mentais e sem assistência e sem ter para onde ir perambulam pelas ruas dos 399 municípios do Paraná.


Fonte: Documento Reservado

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