01/12/2008

Hospital fica com cara de hotel



Atendimento médico ganha conforto, tratamento de primeira classe e cardápio de restaurante de luxo. Tudo para cair no gosto de quem nem sempre se hospeda de boa vontade.





Enxoval novinho e limpinho, poltronas confortáveis, apresentações culturais, serviço de cabeleireiro e manicure e, de quebra, cardápio assinado por um chef de renome nacional. Não são apenas turistas em hotéis chiques que podem desfrutar desses confortos. Pacientes e seus acompanhantes é que estão encontrando, dentro de hospitais, infra-estrutura e serviços de hotelaria. Os investimentos nessa área, antes restritos a poucas instituições privadas, começam a surgir também em hospitais públicos. Luxo e conforto, além de agradar ao paciente e humanizar o tratamento, também significam lucro maior para a atividade.


De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Hotelaria Hospitalar (SBHH), dos 7,5 mil hospitais que existem em todo o Brasil, apenas 200 se encaixam nesta categoria. "Mas o crescimento tem sido exponencial. Há dez anos, se contavam nos dedos quais eram as instituições. Hoje, até mesmo hospitais de cidades do interior oferecem serviços melhores do que muitos hotéis", diz o presidente da entidade, Marcelo Boeger. Pela movimentação no setor, aquela coisa de hospital caindo aos pedaços, com equipamento velho e lençol quase transparente de tão gasto, está com os dias contados. Afinal, qualquer entidade gostaria de ter um aumento de 15% a 20% no fluxo de pacientes - índice que vem sendo obtido quando se adota uma boa gestão hoteleira, segundo Boeger.


Implantar uma gestão hoteleira em um hospital não é simples. Não basta colocar lençóis e móveis novos; é preciso ter uma equipe e orçamentos compatíveis. O pacote completo, aos poucos, vem sendo adotado. "Anos atrás, achava-se que só hospital que atendia cliente com alto poder aquisitivo poderia implantar uma boa gestão de hotelaria. Mas hoje temos até instituições municipais e estaduais que adotaram a idéia", afirma Boeger. Segundo ele, as práticas utilizadas contribuem para melhorar o atendimento, tornando-o mais ágil e mais eficaz. "Os enfermeiros, quando não precisam se preocupar com o controle remoto da tevê ou em trocar lençóis sujos, conseguem trabalhar melhor." Muitos hospitais conseguem diminuir o índice de quedas do leito e de infecção urinária, pois a equipe de enfermagem consegue trabalhar com mais agilidade, diz ele.



Mimos


"Ninguém vem ao hospital satisfeito. O paciente e os acompanhantes chegam ansiosos. É nossa obrigação humanizar o atendimento, e por isso tentamos descaracterizar o ambiente hospitalar", afirma Claudio Enrique Lubascher, diretor do Hospital Universitário Cajuru (HUC). A instituição acaba de inaugurar uma nova ala, com mobiliário moderno e decoração similar à de um hotel, com investimentos de R$ 130 mil. Na Santa Casa também foram feitas melhorias semelhantes, pelo valor de R$ 260 mil. Os recursos são do grupo hospitalar Aliança Saúde PUCPR-Santa Casa.


Não é apenas quem paga um plano particular que pode tirar proveito dos mimos desses hospitais. Todos os pacientes, mesmo os internados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), têm a oportunidade de saborear uma refeição especial, planejada pelo renomado chef Celso Freire, do restaurante Boulevard. Desde o início deste ano ele é consultor do projeto de Hotelaria em Nutrição dos Hospitais, uma iniciativa da Associação Paranaense de Cultura (APC), mantenedora da Aliança Saúde PUCPR-Santa Casa. Conforme a dieta do paciente, ele pode escolher até 16 diferentes combinações entre carnes, guarnições e sobremesas. O capricho da comida precisa ser aplicado em escala industrial: a Santa Casa de Curitiba serve aproximadamente mil refeições por dia e o HUC, cerca de 1,3 mil.



Crise não impedirá investimentos no setor


Se correr a crise pega, se ficar a crise come? Em alguns hospitais da cidade, a palavra de ordem é gastar para lucrar. Para estes, ficar parado é a opção mais perigosa. Os investimentos previstos para o ano que vem serão mantidos e só ficam em espera aqueles que ainda precisavam de planejamento e aprovação. A maior obra do setor será a ampliação do Hospital Universitário Cajuru (HUC), que começa agora, no início de dezembro. Estão sendo aplicados R$ 15 milhões na construção de um novo prédio anexo, com nove andares e 12 mil metros quadrados.


"Essa é a estrada da manutenção da nossa qualidade e segurança. Não podemos esperar pelos problemas", afirma Alvaro Quintas, diretor do Aliança Saúde. A nova ala, que será interligada ao prédio que já existe, será usada para atendimento de pacientes dos convênios - o HUC atende cerca de 30. Mas a nova estrutura deve contribuir para que o grupo amplie a carteira de vidas do seu próprio plano, o Saúde Ideal. A meta é passar das atuais 27,5 mil vidas para 100 mil vidas em 2014.


A proporção, de 60% de clientes pessoa jurídica e 40% pessoa física, deve ser mantida. "Pesquisas de mercado indicam que a maior parte do público deve vir de novos clientes. A migração de um plano para outro é muito rara", diz Quintas. A ampliação do hospital faz parte das estratégias para alavancar o Saúde Ideal no mercado.



Sustentabilidade


O orçamento do Hospital Vita Curitiba para o ano que vem, já aprovado, prevê a realização de três projetos: reforma de todos os 110 apartamentos; revitalização dos equipamentos do centro cirúrgico; e ampliação do Pronto-Socorro, dividindo-o para atendimento adulto e infantil. "Mantemos o investimento, apesar do momento atual. As obras serão importantes para a satisfação do cliente e para garantir nossa sustentabilidade", afirma Carla Soffiatti, superintendente da entidade. O valor do investimento, não revelado, deve girar na casa de alguns milhões de reais.


O Hospital Milton Muricy, na Cidade Industrial de Curitiba, também mantém os planos para o ano que vem. De acordo com o diretor Marcus Todesco, serão investidos cerca de R$ 5 milhões em equipamentos de alta complexidade e ampliação do número de leitos. "Estamos trabalhando com um cenário realista." Os trabalhos devem começar já em janeiro, mas não prevêem expansão física: o hospital conta com 140 leitos, e pode ter até 160 dentro da estrutura atual.


O Santa Cruz levou um baque recentemente, por conta da escalada do dólar. O hospital importou novos equipamentos para serem usados em neurocirurgia e procedimentos ortopédicos. Eles chegam em janeiro. Alexandre Franco, diretor do Santa Cruz, diz que a compra não poderia ser cancelada. "Mas isso nem seria bom. Se a gente parar de investir, ficamos para trás e não conseguimos mais recuperar o terreno perdido." Por outro lado, o projeto de construção de um prédio anexo ao Santa Cruz, com tamanho de 13 mil metros quadrados, continuará na gaveta.



Novidades vão de TV de plasma a ofurô para bebês


Os serviços extras que, aos poucos, começam a aparecer em hospitais que atendem pelo SUS, chegaram nos hospitais particulares de Curitiba há alguns anos. O Milton Muricy, administrado pela operadora Amil há 18 meses, oferece uma série de facilidades na maternidade desde 2004. "Nosso objetivo era diferenciar a acomodação para as mamães, já que o nascimento de uma criança é uma festividade, algo bastante diferente do que ocorre com a maior parte dos pacientes", explica o diretor do hospital, Marcus Vinicius Todesco.


Entre os serviços prestados pelo Milton Muricy, que fica na Cidade Industrial de Curitiba, estão o serviço de cabeleireiro e manicure. "A maioria dos partos são cesáreas. Mas, fazendo cabelo e maquiagem, nem parece que a mulher estava internada e fez uma cirurgia", diz Todesco. O banho de beleza fez tanto sucesso que pacientes de outras alas começaram a requisitá-lo, e hoje ele está disponível para todos no hospital, gratuitamente.


Outro mimo proporcionado de graça pelo hospital é a filmagem do parto. "Muitas mães perguntavam se o marido ou algum conhecido podia entrar na sala do parto para filmar. Para evitar a entrada de muitas pessoas no local e diminuir o risco de contaminações, contratamos uma pessoa que faz o serviço para todas que quiserem." Nas suítes, restritas a quem tem plano específico, há outras facilidades, como divisória para que a mãe possa se sentir mais à vontade amamentando. O bebê também pode ganhar um banho de ofurô (imersão).


O Santa Cruz há três anos oferece uma sala VIP, batizada de "Personnage". Os recepcionistas, bilingües, são treinados para realizar um atendimento bastante rápido. Se for preciso, eles acompanham o paciente até as salas de exame. "O serviço foi montado de forma a fidelizar o cliente. Para que, quando ele pensar em saúde, pense na gente", diz o diretor administrativo da instituição, Alexandre Franco. Para usufruir dos benefícios, qualquer pessoa pode se associar e pagar uma anuidade. Também há algumas operadoras de saúde parceiras que comercializam o cartão Personnage. Cerca de 1,6 mil pessoas têm o cartão. A intenção do Santa Cruz é chegar na marca de 2,5 mil. "Não queremos ampliar muito. É preciso manter o serviço exclusivo."


O Hospital Vita Curitiba é outro que conta com um cardápio diferenciado para os pacientes, além de serviços de lavanderia e camareira, apresentações de músicos e de contadores de histórias e o apoio de um pscicólogo. Dependendo do plano de saúde, ou mediante pagamento à parte, também é possível usar o espaço Vita Class, onde há suítes equipadas com salas para acompanhantes e aparelhos modernos, como televisores de plasma. "Nossa intenção é proporcionar um tratamento humanizado, com as condições que ele encontraria em um bom hotel, ou mesmo dentro de sua própria casa", conta Carla Soffiatti, superintendente do Vita Curitiba.



Ficava indignado com comida de hospital


O chef Celso Freire, referência nacional em alta gastronomia, aceitou o desafio de coordenar o cardápio dos hospitais Santa Casa e Cajuru. As 16 combinações começaram a ser servidas em agosto. Freire pretende se dedicar mais à criação de pratos para pacientes nos próximos meses. Por enquanto, ele está ocupado na organização da Central de Produção dos hospitais, onde a comida é preparada.


O que o levou a fazer parte desse projeto?


Eu sempre tive o sonho de trabalhar com hospitais. Quando eu era criança, vivia com pé, braço quebrado, e tinha que ficar internado. Sempre fiquei indignado com a comida servida, porque eu era acostumado com uma comida deliciosa, simples, mas muito gostosa, em casa, e não entendia porque serviam no hospital uma comida que dava vontade de sair correndo. Quando recebi o convite da APC (Associação Paranaense de Cultura, mantenedora dos hospitais), vi que era hora de concretizar meu sonho.


Quais são as maiores dificuldades enfrentadas até agora?


A grande dificuldade é coordenar a central de produção de alimentos, que não pode parar um segundo. Também é preciso treinar os trabalhadores da central, que estão tendo que utilizar novas tecnologias no processo de cozimento. É bastante complexo deixar os alimentos pré-prontos para serem servidos nos hospitais. Os pratos vão para o forno, depois são resfriados imediatamente, para evitar o risco de contaminação. Outro fator é trabalhar com recursos limitados. Estamos evitando desperdícios.


É possível oferecer diversos pratos para pacientes, muitas vezes em dieta?


Tenho o apoio de uma equipe de nutricionistas, justamente para supervisionar as dietas específicas. A comida sem sal pode ser sem graça, mas se usarmos algumas ervas, ela muda totalmente. Na verdade, são poucos os pacientes que têm dieta rígida. Por enquanto, não estou inventando nada. A equipe está aprendendo a se envolver mais com os pratos, a cuidar com a apresentação, para deixar a comida mais apetitosa. Nesse primeiro momento, estamos cuidando mais dos procedimentos. Depois, vamos buscar novas alternativas, e pretendo sentar com os pacientes, ver a cara deles quando receberem uma bandeja, e, quem sabe, trocar algumas receitinhas.


Fonte: Gazeta do Povo

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