01/11/2011
         Interiorização da Medicina
         
         
            
Faz pouco tempo, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), por meio da portaria ministerial 2.087, criou um sistema
            de bonificação para tentar resolver o problema de falta de médicos em áreas remotas. A dinâmica é a seguinte: os recém-formados
            que participaram desse programa de interiorização terão um bônus de 10 a 20% na prova de ingresso à Residência. 
            
            
A medida foi tomada à revelia e sem consulta às entidades médicas e às universidades. É inadmissível tratar com tamanho
            descaso uma iniciativa que pode ter consequências perigosas para a saúde e a vida dos pacientes. 
            
            
Nunca é demais lembrar que o médico recém-formado precisa ser treinado no dia a dia para bem assistir aos cidadãos. Ao
            sair da graduação, ainda necessita da incorporação de conhecimento e habilidades, maturidade e aprofundamento de sua capacitação
            para uma resposta efetiva em termos de atendimento. Enviado para regiões distantes, sem supervisão adequada, sem estrutura
            ideal e com pouco acesso à informação, pode, a despeito de toda a boa vontade, ser nocivo a si mesmo e aos pacientes.   
            
            
Quando estive à frente da Comissão Nacional de Residência Médica, de 2004 a 2008, valorizávamos o mérito, a qualidade,
            a competência. Não dá para ser diferente em se tratando desse tema da mais alta importância. 
            
            
A política de então visava à democratização, contemplando regiões menos favorecidas com novos programas de Residência
            Médica e com aumento do número de bolsas. Uma das metas, aliás, era lutar contra as desigualdades entre regiões mais e menos
            favorecidas. 
            
            
Criamos, por exemplo, o estágio optativo para residentes em fronteiras de difícil acesso. Isso para aproximar o acadêmico
            de Medicina da realidade social do país. Era um caminho para torná-lo mais humano, capaz de ver o doente e não apenas a doença.
            
            
            
Foi também naqueles tempos que as Sociedades de Especialidade passaram a ter direito a voz nessa discussão. Começaram
            a colaborar de maneira intensa na avaliação dos programas de Residência Médica do país, o que representou um verdadeiro marco
            histórico. 
 
            
            
Enfim, tínhamos uma CNRM democrática, aberta à participação de acadêmicos, especialidades e universidades. Tratávamos
            a Residência Médica como deveria ser tratada sempre: a pérola da coroa da formação médica.
            
            
Diante disso tudo, afirmo com todas as letras que a recente portaria 2.087 é um retrocesso para o ensino médico. Representa
            a falta de compreensão da importância da Residência Médica, olhando distorcidamente para a busca forçada de mão de obra, o
            que demonstra a fragilidade desse sistema.
            
            
Não podemos imaginar que no Brasil devemos formar médicos para "quebrar galho". Nem achar que a formação em Medicina é
            coisa de menor importância e, por isso, não é necessário oferecer condição ideal para seu desenrolar.
            
            
O Brasil precisa de mais seriedade, especialmente em saúde. Com vidas e bem-estar não se brinca.
            
            
Artigo escrito por Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.