18/09/2007

José Gomes Temporão: Sem a CPMF, haverá um colapso no atendimento à saúde

Depois de comprar brigas com setores da sociedade e da Igreja ao defender a descriminalização do aborto, arrancar mais dinheiro da equipe econômica para os hospitais em crise e negociar com governadores a regulamentação da emenda que obriga os estados a destinar 12% para a saúde, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, leva esta semana ao Planalto suas propostas para o PAC da Saúde. Entre elas, estabelecer que estados e municípios cumpram metas de atendimento e de redução da mortalidade infantil, entre outras, para que recebam recursos extras do governo federal para o setor. Em entrevista ao Jornal de Brasília, Temporão falou do novo PAC e da crise da saúde no momento em que o Governo tenta aprovar no Congresso a CPMF, que só este ano deve arrecadar R$ 16 bilhões para o setor. Ele alerta que se o imposto não for aprovado, há risco de todo o atendimento de saúde do País ser paralisado, "numa hecatombe de dimensões fantásticas".

No momento em que o governo trabalha para aprovar a prorrogação da CPMF no Congresso, há uma crise na saúde, sobretudo com hospitais do Nordeste. Como convencer a população de que a arrecadação desse imposto tão impopular está sendo bem gasta?

De um lado, temos que chamar a atenção de que os R$ 16 bilhões da CPMF que vão para a saúde são todos, na sua integralidade, transferidos a estados e municípios para o quê? Transplante de órgãos, tratamento de hemodiálise, todas as cirurgias realizadas no Brasil, todas as internações, as 11 milhões de internações, todo o atendimento à gestante. Ou seja: sem ele, nós teríamos um hecatombe de dimensões fantásticas no Brasil. Esse recurso é absolutamente indispensável. Não estou nem entrando no mérito do tipo de imposto, eu também escuto. Mas outro dia fui numa reunião de empresários e um do setor farmacêutico fez uma fervorosa defesa da CPMF, dizendo que discordava dessa questão e defendia a redução de outros impostos.
Para mim, esses recursos são absolutamente imprescindíveis. E eu diria mais, insuficientes.
E a questão da qualidade do gasto?

Defendo que orçamento e gestão têm que caminhar juntos. Por isso temos essa proposta que encaminhamos ao Congresso criando a fundação estatal de direito privado, para implantar um novo modelo de gestão no setor público. Ou seja: para a gente pedir mais recursos, e eles são necessários, a gente precisa estabelecer um padrão de gestão de recursos que a sociedade perceba que há transparência, que aparecem resultados. Não é que os resultados não existam, mas o Sistema Único de Saúde é ruim de comunicação. Ele se comunica mal com a sociedade.
A imagem do SUS seria de maior incompetência do que de fato existe?

No fundo, ele é um plano de saúde público que cobre tudo. Não existe esse plano no mercado. Mas ele se vende mal e tem problemas estruturais, dos quais eu destacaria esses dois: o financiamento e a gestão.

O senhor conversou com os governadores sobre a regulamentação da Emenda 29, que manda aplicar 12% da receita na saúde, mas que a maioria dos estados não cumpre. Como chegar a um acordo sobre o que é gasto com saúde?

Percebo um certo consenso quando eles colocam o seguinte: o critério, a cláusula pétrea para os governadores, é que o mesmo critério que orienta o padrão de gastos do Governo Federal sirva aos estados. O governador de Sergipe, Marcelo Déda, falou: não é possível que o TCU considere razoáveis os gastos do Governo Federal no setor e venha um TCE dizer que os gastos do estado estão errados. Como é que a gente resolve isso? Definindo, definitivamente, o que são ações e serviços de saúde.


O que são?

O que não são serviços de saúde, por exemplo, são gastos com aposentados, gastos com pensões, com saneamento ambiental e obras de infra-estrutura urbana.

Mas e o saneamento básico?

Saneamento básico podem ser considerados aqueles para provimento de água e esgoto em municípios considerados; também, gastos com hospitais da PM, ou planos de saúde para funcionários públicos. Merenda escolar não pode ser contabilizada como gasto de saúde. Se nós concordamos com esse conjunto de ações, será dado um grande passo. Pareceu-me que há um razoável consenso de governadores e que é possível caminhar no sentido do que estabelece a resolução do Conselho Nacional de Saúde de 2003, que define exatamente o que não são gastos de saúde. E isso agora tem que ser aprovado pelo Congresso. Isso está tramitando desde 2003, mas agora o presidente Lula quer regulamentar.


O senhor está finalizando a elaboração do PAC da Saúde. O que vai mudar do ponto de vista do cidadão?

Minha primeira preocupação foi a seguinte: todo gestor, todo dirigente, corre um grande risco quando ele vê uma situação cheia de problemas, e eventualmente agudizada. E ele toma decisões em cima dessa conjuntura, porque é uma conjuntura que pode te levar a erros quando você vê de um horizonte de médio e longo prazos. Então, estou muito preocupado em não tomar nenhuma iniciativa levado pela conjuntura. O que é isso? Estou pensando em intervenções, primeiro, que não sejam um conjunto de programas sem nenhuma relação. Pelo contrário, tem que ser um grupo de políticas estratégicas integradas.


Mas como seria isso?

Por exemplo: é muito comum, no Brasil, o cidadão confundir saúde com hospital, saúde com remédio. Isso é parte importante da política de saúde, mas não é tudo na política de saúde. Há uma dimensão que normalmente é esquecida que é a da promoção da saúde. O que chamo de promoção da saúde? É trabalhar hábitos de vida, padrões alimentares, padrões de realização de exercício físico, consumo de álcool, consumo de tabaco e planejamento familiar. Esse é um conjunto de iniciativas que vai trabalhar essa questão de maneira mais articulada e com mais peso.


Então o PAC da saúde vai destinar recursos a esses programas de prevenção?

E aqui têm duas questões que gostaria de destacar. Comunicação e informação, que são fundamentais, e o encontro do espaço da escola com o espaço da saúde. A segunda questão é o que as pessoas comumente consideram como saúde o problema da fila, dos hospitais superlotados. É o problema do tempo que a pessoa é obrigada a esperar para marcar uma consulta com um especialista. Se ela precisar fazer um ultrassom, tem que esperar três meses. Quando você olha o mundo inteiro, em qualquer país, nos Estados Unidos, na França, na Itália, todos os sistemas de saúde estão passando por dificuldades.


A intenção é adotar uma fórmula semelhante a que está sendo implantada na educação, de dar mais recursos a estados e municípios que cumpram determinadas metas?

É isso, de acordo com os indicadores pode variar o repasse de recursos. É importante que a população, inclusive, saiba. Se eu hoje perguntar para um cidadão comum quais são os grandes problemas de saúde do Brasil hoje? - sei lá -, se ele for uma pessoa muito bem informada, pode chutar alguns. Por exemplo: o câncer deve ser importante, o diabetes, violência, acidentes. Quais seriam os 10 desafios para o Brasil, olhando daqui a 20 ou 40 anos, na área da saúde? É importante você ter essa agenda transparente. E é importante você saber o que eu espero daqui a cinco, daqui a 10, daqui a 20 anos, quais os recursos financeiros que vou precisar.


O senhor abriu uma polêmica ao defender sua posição favorável à descriminalização do aborto. Comprou briga com setores diversos e agora há no País uma discussão sobre esse tema. O senhor se arrepende de ter levantado esse assunto?

Em hipótese alguma. Estou bastante feliz, porque acho que a sociedade está debatendo uma questão polêmica. O lançamento da questão do planejamento familiar também já teve um resultado interessantíssimo. De maio para cá, já aumentou em 58% o número de vasectomias. Aumentei o valor do procedimento. Havia uma demanda reprimida que não estava sendo atendida. Então, toda essa questão da discussão da sexualidade, dos direitos sexuais, da importância da informação para definir o número de filhos que você quer ter, quando quer ter, a disponibilização dos métodos, e a questão do aborto em condições seguras, eles estão dentro de um contexto assim mais ou menos no mesmo campo. Então, acho fundamental que a sociedade discuta isso. Se você perguntar por duas questões em que estou particularmente feliz aqui no Ministério, é essa questão e a questão do álcool. Já se percebe uma mudança na maneira como a mídia trata a questão. Nas novelas, nas propagandas. O prefeito Cezar Maia publicou decreto proibindo a venda de bebidas em postos de gasolina, em lojas de conveniência. Vários governadores estão propondo leis proibindo a comercialização em estradas.


Essa batalha está sendo ganha?

Está. Percebo na população, nas cartas dos leitores, nas matérias, nas pessoas com quem converso, um receptividade muito grande.

Fonte: Jornal de Brasília

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