Medicina: da missão à incompreensão

Karimy Hamad Mehanna

Desde a morte do Dr. Eduardo Guimarães Melo, do estado do Piauí, a Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, assim como toda a Sociedade Médica, está atônita com o ocorrido.

Um cirurgião pediátrico sério, talentoso, responsável, comprometido com seus pacientes e com mais de 20 mil procedimentos cirúrgicos bem-sucedidos não aguentou a pressão de ser chamado de ‘assassino’ após complicação em um procedimento médico. Leiam com atenção a frase anterior: complicação médica!

E complicação médica não é erro médico! Qual o significado de ‘complicação médica’? Evolução desfavorável ou consequência de uma doença pré-existente! No caso em questão, a complicação ocorreu após a realização de um acesso venoso central. Procedimento cirúrgico de extrema dificuldade, onde acessamos o coração através da punção de uma veia, em geral na região cervical, técnica que permite que a criança continue VIVA e sem a qual o paciente evoluiria invariavelmente para o ÓBITO.

A complicação, um sangramento, foi prontamente diagnosticado e tratado, mas a criança não resistiu, devido à sua doença prévia.

Nossa especialidade, a Cirurgia Pediátrica, é muito pouco conhecida. Nossa formação envolve 11 anos de estudo árduo. Estudamos e nos atualizamos diariamente. Aqui, ‘picareta’ não tem vez! Tem que ser muito preparado, competente e apaixonado para fazer o que a gente faz todos os dias. Vocês sequer imaginam a infinidade de doenças que atendemos e operamos, desde o período pré-natal (atendemos gestantes, que tiveram diagnóstico de doenças congênitas, prestando aconselhamento pré-natal), recém-nascidos prematuros extremos (pesando menos de 500g!), lactentes e até mesmo adolescentes. Operamos toda região do corpo da criança: face, região cervical, cavidade torácica, região abdominal, todas doenças do trato digestivo (envolvendo a boca, esôfago, estômago, duodeno, intestino delgado, intestino grosso e ânus), patologias urológicas, patologias genitais, entre outras.

Nós convivemos com a morte; ela está sempre por perto, nos rondando, em cada paciente grave que atendemos. É extenuante, é fatigante, vivemos à beira de um Burnout!

E tudo isto de forma anônima, sem estrelato, sem elenco, de forma velada, dando nosso melhor todos os dias e beneficiando milhares de crianças e suas famílias.

Não queremos homenagens, não queremos reconhecimento, não queremos ‘palmas’ na janela para os ‘super-heróis’ da pandemia, só queremos saúde física e mental para exercer uma medicina de qualidade e entregar o melhor resultado para nossos pacientes.

Ah, e com relação a morte? Esta é inevitável. É a única certeza que temos. Todo mundo morre. E os médicos não podem mudar esta realidade.

Dra. Karimy Hamad Mehanna (CRM-PR 23863) é cirurgiã pediátrica e atua em Curitiba (PR).

**As opiniões emitidas nos artigos desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do CRM-PR.

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